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Nina Lemos

Não é porque você tem Facebook que deve postar opinião sobre tudo

Nina Lemos

04/10/2017 04h00

(Ilustração: Getty Images)

"No que você está pensando?"

Você, como eu, se depara com essa pergunta "todos os dias quando acorda e todos os dias antes de dormir", como cantava Renato Russo em "Tempo Perdido". Ela aparece no Facebook sempre que abrimos nossa página. Poderíamos simplesmente ignorá-la. Mas não. Essa pergunta, por motivos inexplicáveis, virou uma espécie de ordem. É como se estivesse escrito: "Dê sua opinião agora ou você será banido da sociedade!"

Eu sei que não é assim. Ninguém nos obriga a nada. Mas, por forças ocultas, nos sentimos obrigados a opinar, opinar, opinar. Se eu fosse seguir meu feed de notícias dessa semana, teria uma opinião formada sobre: o referendo da Catalunha (apesar de não conhecer absolutamente nada sobre a história da Espanha), um sapato lançado pela Balenciaga que parece uma Crocs, o motivo de um louco ter assassinado 50 pessoas em um show em Las Vegas e, claro, sobre uma performance no Museu de Arte Moderna onde um cara fica nu.

Não vou dar minha opinião sobre os assuntos da semana nesse texto. E por favor, entendam, não estou perguntando aqui o que vocês acham sobre esses tópicos. Repeito a opinião de vocês. Mas sério, vocês também não estão cansados de ter que ter opinião sobre tudo?

Um estudo feito em Harvard, em abril desse ano, concluiu que quanto mais uma pessoa usa o Facebook, pior ela se sente. Até aí, nenhuma surpresa. O que deixou os cientistas mais intrigados foi o fato de que o que parece fazer mal não é só o ato de dar like, mas também a hora de preencher o status. Não sou cientista, mas arrisco um palpite. A pessoa se sente ansiosa na hora de preencher o status porque isso significa que ela vai ter que começar a dar opinião sobre alguma coisa. Depois, se preparar para "a treta" que pode ser causada pelo que escreveu e aceitar a possibilidade de que talvez passe o dia brigando defendendo o que escreveu.

São cerca de 500 mil posts novo por minuto no Facebook, 800 milhões de pessoas dando likes por dia. Resultado: com todo mundo opinando, sentimos que também temos que falar. E lá vamos nós, dar nosso palpite certeiro que acabaria com a violência no Rio de Janeiro e com o conflito entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte. Vou ser sincera. Até o início do ano eu mal fazia ideia do que acontecia na Coreia do Norte. Será que eu sou a única ignorante aqui?

Toca Raul!

"Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela opinião formada sobre tudo", cantava o Raul Seixas, quando eu era criança, nos super mega distantes anos 70. Imaginem se o Raulzito estivesse vivo hoje, coitado? Além do que ter que ter opinião sobre "o que é o amor", "sobre o que eu nem sei que sou", não poderia mudar de opinião nunca. Seria inviável ser uma mefamorfose ambulante.

Isso porque, ainda tem essa: você tem que ter uma opinião. E depois, bem, depois você não pode mudar de opinião nunca! Aconteceu com uma amiga, que mudou de posição política. Com o passar dos anos. Um belo dia, descobriram no Twitter o seu passado defendendo um partido que hoje ela odeia e… coitada! Foram prints e mais prints do seu passado. Detalhe, ela nunca tinha negado que mudou, e não escondia nada.

Segundo os médicos, ver o Facebook ou o Twitter "todos os dias quando acorda e todos os dias antes de dormir", além de ser um tempo perdido, mal para a saúde. Mas eu acho que o que faz mal é ler tanta opinião e dar tanta opinião o dia inteiro.

Como era antes? Alguém lembra? A gente só dava opinião sobre todos os assuntos do momento ou na mesa do bar ou em festas de família, como o Natal, onde todos brigavam por causa de política ou os assuntos do momento. Agora, a festa de família é todo dia. E depois os cientistas ainda estranham que tudo isso nos faça mal…

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.