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Nina Lemos

Adultos dormindo na fila pelo iPhone X: como eles cresceram e viraram isso?

Nina Lemos

21/11/2017 04h00

Quando eu era adolescente, lá nos anos 80, nós, filhos da classe média, "precisávamos" ter uma mochila da Company. Ou qualquer outro produto que viesse com o C, o logotipo da lendária grife carioca. Nossos pais se endividavam, parcelavam, faziam de tudo para nos dar produtos da marca e assim conquistar um pouco de paz e parar de ouvir a ladainha "ninguém me entende, ninguém me ama, só acontece comigo". Ainda me lembro do cheiro aconchegante de aceitação daquele moletom preto.

Lembrei do meu moletom e da minha mochila da Company vendo as filas de adultos ao redor do mundo em frente a lojas da Apple para conseguir comprar antes de todos o  iPhone X, um telefone que custa cerca de 1. 400 euros (aproximadamente R$ 5. 600). No Brasil, o preço vai variar entre R$ 6.999 de R$ 7.699 mil! Sim, 7 mil temeres! O aparelho será lançado oito de dezembro.. E, eu sei, todos sabem, mesmo com a crise econômica, vai, sim, ter gente na fila disposta a pagar essa enormidade de dinheiro.

"Preciso ter um Atari antes do Marcelo!"

Por que eles fazem isso? As fotos de adultos dormindo em uma fila para comprar um produto me assustam mais que o mudo ao contrário de "Stranger Things". Principalmente porque é um produto que eles já tem. Sim, quem dorme na fila da Apple possui um iPhone, mas precisa ter o último modelo, e, mais que tudo, TEM que ter antes de todos, senão vai morrer. Nem um adolescente de classe média dos anos 80 era tão mimado. Como alguns de nós cresceram e viraram isso?

Como se formaram essas crianças gigantes que precisam ter as figurinhas "antes de todos"? É como se gritássemos. "Preciso ter um Atari antes do Marcelo!". Mas não temos mais 13 anos. É triste.

A gente, adulto, ri de quem dorme na fila do show da Lady Gaga. Mas não deveríamos. Entendo quem dorme em fila para comprar ingresso para um show de um ídolo. Com os meus 17 anos, já passei horas na frente do Maracanãzinho esperando para conseguir um lugar na frente do show da Legião Urbana. Quase morri esmagada na hora em que as portas se abriram . Mas o Renato Russo era uma pessoa (incrível , por sinal). E o iPhone, bem, ele é uma coisa. E uma coisa cara.

Eu, N.L, 47 anos, viciada

Por coincidência, na mesma semana em que adultos ao redor do mundo dormiam, empurravam e pagavam mico na porta da Apple, uma garrafa de água abriu dentro da minha mochila e meu iPhone SE (o mais "barato" da marca) morreu. Depois de muito drama "classe média sofre" e dúvida (porque eu também posso ser uma criança vergonhosamente mimada), troquei meu aparelho por um Android que custa metade do preço do ex iPhone "mais em conta". Toda uma nova realidade se abriu e descobri, depois de anos de escravidão, que posso pagar menos e ter um produto melhor.

Mas gente, porque eu fiz isso? Por que fiquei tantos anos pagando super caro por um produto que nem era lá essas coisas? "As pessoas precisam sentir que pertencem", me diz a amiga psicanalista. Claro! E foi aí que lembrei do meu moletom preto da Company.

Eu, mulher feita de mais de 45, passei anos da vida pagando mais caro para ter um logo de maçã (aquele que todo mundo tem) e assim me sentir parte de um grupo. "A minha vida no Instagram pode não ser tão perfeita como a da Fulana, mas pelo menos elas foram tiradas com o mesmo aparelho".

Comentei com meu enteado de 14 o meu choque e recebi a resposta. "Mas claro que não é muito diferente, é só um telefone". Pois é, gente, as vezes nós conseguimos ser mais infantis que as crianças. Por isso, fica um recado para os que pensam em gastar o que não tem no meio de uma mega crise econômica porque acham que precisam ter um iPhone X um telefone é só um telefone.

É só um telefone! E repitam, como mantra. E sabe que falta um Iphone X vai fazer na sua vida? Nenhuma.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.