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Nina Lemos

No céu datado da Victoria's Secret, anjos são jovens brancas e supermagras

Nina Lemos

22/11/2017 13h21

A modelo sul-africana Candice Swanepoel, uma das "angels" da Victoria's Secret. (Foto: Getty Images)

"Você parece um anjo. A sua pele me faz chorar. Você flutua por um mundo perfeito. E eu sou só um esquisito". Lembrei da antiga canção do Radiohead enquanto via as fotos do desfile da Victoria's Secret que aconteceu na segunda-feira, em Xangai.

Como sempre, a grife de lingerie mostrou luxo e riqueza na passarela, uma tradição da marca. Mas, em 2017, quando mulheres no mundo todo gritam que são antes de tudo fortes e lutadoras (e, por que não, esquisitas?), ver moças sendo consideradas vitoriosas por entrarem para um seleto time de anjos bem pagos já soa anacrônico em si. Anjas perfeitas. É isso mesmo que as meninas de hoje sonham em ser no futuro? Parece que não. Esperamos que não.

A coisa toda fica ainda mais datada quando percebemos, de primeira olhada, que, se você quer habitar o céu da Victoria's Secret, é bom que você seja branca, magra e, claro, muito jovem.

As maravilhosas asas de Ashley Graham

Das 55 modelos escaladas pela marca para o show de 2017, apenas quatro eram asiáticas e cinco eram negras – entre elas, a brasileira Laís Ribeiro. De resto, o que se viu? Como sempre, um show de belezas alvas, jovens e magras, muito magras. A diversidade para inglês ver da Victoria's Secret incomodou gente no mundo todo. E que bom, não é? Essa é uma época (ainda bem) em que não dá para ignorar diversidade da mulher e ficar por isso mesmo. Estamos todas cansadas de padrões irreais.


No dia do desfile, a modelo plus size e ativista Ashley Graham postou uma foto sua no Instagram com asas e escreveu hashtags dizendo: #conseguiminhasprópriasasas e "aumentem as asas". A modelo já disse em entrevista que participaria do cast de angels: "mas só se a marca aumentasse os tamanhos de suas peças". Palmas.

Muitas grifes já ouviram o apelo de garotas corajosas como Ashley e passaram a colocar meninas grandes para desfilar. Algumas lembraram também de colocar mulheres de mais de 20 e poucos anos (ei, quem passou dos 40 também compra roupa!).

Ignorar a diversidade é ignorar os novos tempos

No Brasil, marcas como LAB e Ronaldo Fraga (só para citar algumas) já atentaram para o fato e acabaram com a hegemonia branca, jovem e supermagra nas passarelas. Nas semanas de moda internacionais, até marcas grandes como Michael Kors e Alexander McQueen já acordaram para os novos (e melhores) tempos.

Se adaptar não é nem questão de acreditar em diversidade, mas de mercado mesmo. Se a Victoria's Secret quiser continuar com esse show de anjos, vai ter pelo menos que tornar esse céu mais colorido…Veremos.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.