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Nina Lemos

Dentro dos caras sensíveis também habita um monstrinho machista

Nina Lemos

29/11/2017 04h00

"Eu jamais abusaria de uma mulher". "Estou com elas nessa luta".

Acredito, sim, que homens podem (e devem) ajudar as mulheres na batalha pelos seus direitos. Mas desculpem, amigos, vez ou outra, quando ouço isso, penso: "E esses caras? Será que nunca abusaram moralmente de suas namoradas, ficantes ou mulheres?"

Abuso não é só bater. É tentar diminuir, machucar, falar alto, humilhar.

"Ah, mas mulher também faz isso." Sim, relacionamentos neuróticos existem e dentro dessa confusão bem grande (fuja, amiga!) existem vezes em que ambos se agridem. Um horror.

Minha amiga bi diz que isso também acontece dentro de relacionamentos lésbicos. Mas falo aqui baseada em minha experiência de mulher hétero e ouvinte de amigas há, sei lá, 30 anos. E o que concluímos (sim, eu fiz uma reunião online com amigas para discutir o tema) é que vez outra os caras surtam.

De dentro de muitos dos mais sensíveis rapazes, até aqueles que engrossam o coro do "machistas não passarão" existe um macho interior que de vez em quando desperta.

A hora do monstro é um clichê

"É a hora do monstro", diz minha amiga-gênia Bia Abramo. Na hora do monstro, muitas vezes embebidas em álcool (que clichê!) o macho tosco aparece. Te chama de louca e de descontrolada (quando, vejam bem, uma pessoa que está falando isso para outra está completamente equilibrada, claro). E todos aqueles clichês usados para machucar profundamente.

O macho interior tenta diminuir a capacidade intelectual da mulher. E eu já vi isso acontecer tantas vezes que até perdi as contas. Fala, por exemplo, que "fulana escreve super bem, ela sim tem um puta texto e é escritora de verdade" (para uma escritora). "Sem minha ajuda você estaria ferrada" (para, por exemplo, o líder da banda que deu para ela uma vaga como baterista para "dar uma força").

E não, o monstro não ataca só as namoradas. Lembro de uma vez em que falei para o namorado de uma amiga: "com 40 anos eu vou estar falando um ótimo inglês". O que ele fez? Riu e disse: "Duvido". O que aconteceu quando fiz 40 anos? Meu inglês estava bom o suficiente para explicar a situação política do Brasil (o que, vocês sabem, é difícil até em português). O que o cara fez comigo me ferrou? Não. Mas se ele fosse meu namorado e falasse "você não vai conseguir" todos os dias teria me desestabilizado emocionalmente. E claro, se eu continuasse com ele, e aceitando isso, provavelmente nunca falaria inglês.

Não deixe o ogro te pegar

Eu falar que dentro da maioria dos caras existe um macho ogro significa que eu acho que todos os homens são monstros? Não. Eles têm seus momentos. E o que fazer quando o monstro aparecer? Correr, Lola,correr. Sair de perto. Dar um tempo. E não, não deixar passar. Não aceitar. Nunca! E se o cara se tornar um reincidente, fuja, Lola. Caia fora!

Um conselho para os caras: quando sentir o monstro vindo, dê um rolê! Ligue para um amigo, não desconte sua raiva em cima da mulher que está perto. Faça como a gente (sim, também temos monstros) chore no ombro de uma amiga, ligue para alguém do outro lado do mundo, conte seus problemas para um passante na rua. Vai ver vocês conseguem.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.