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Nina Lemos

"Pergunta para ele!" Por que a "pessoa que sabe tudo" é sempre um homem?

Nina Lemos

07/03/2018 04h00

Angela Merkel vira os olhos enquanto conversa com Putin. Foto: John Macdougall/AFP

"Mas você tem certeza? Será que não é melhor você perguntar para ALGUÉM? Minha mãe, e muitas outras mulheres da minha vida, de vez em quando me falam isso. Eu conto algo simples e rotineiro, como, por exemplo: "acho que meu computador está dando pau e vou ter que comprar um novo." "Pergunta o que o FULANO acha…", ouço do outro lado da linha.

Sim, na maioria das vezes, o alguém é um homem, um fulano, um primo, meu marido, um amigo, um tio . Tenho milhares de amigas fodonas na maioria dos assuntos (se eu quero saber qualquer coisa de tecnologia, em geral, não pergunto para um homem, simplesmente porque a pessoa que mais entende de tecnologia do meu circulo é minha amiga Eva).

PROBLEMATIZAÇÃO, grita um leitor. Mimimi, fala outro. E eu digo, pode ser, falem o que quiser. Mas o diabo mora nos detalhes, disse um pensador famoso, que provavelmente era homem e por isso foi ouvido (brincadeira).

Mas que saco essa vida onde o tempo todo somos colocadas em xeque.

Claro, ninguém sabe fazer tudo. Eu, sinceramente, nem tenho muitas habilidades. Mas sei, por exemplo, achar passagem aérea barata pela Internet.

Outro dia estava me dedicando a essa missão. Minha mãe diz: "Mas você tem certeza, por que você não espera o G (no caso, meu marido, que deve ter comprado 1% de passagens aéreas baratas se comparado comigo) para decidir? Como imigrante de classe média, preciso atravessar o oceano para visitar minha família e o dinheiro é curto. Sim, isso é muito classe média sofre, mas é fato…

Esse tal homem, que supostamente vai me ajudar, muitas vezes é um "sabe tudo", o cara que, mesmo sem querer, às vezes, solta um "mansplainning"

O termo em inglês não tem uma tradução em português que "pegou", vamos chamar aqui de "síndrome de sabe tudo," ou "homem explica tudo". Esse é o nome para a mania que os homens têm de explicar tudo para as mulheres, em tom condescendente.

Exemplo clássico de "homemexplicação": um engenheiro explica para uma mulher neuro-crirurgiã como funciona o cérebro, um sem noção explica para uma moça o que é cólica menstrual e por aí vai.

Os "sabe tudo", apesar de chatos, na maioria das vezes, acho, nem têm culpa disso. Foram criados desde pequenos para serem os gênios do crime, ganhavam enciclopédias e dinossauros, enquanto as irmãs brincavam com ferro de passar e bebê papinha (uma boneca que fazia cocô). Essa é só uma das explicações que me aparecem. Existem centenas.

Homem Wikipedia

Enquanto pensava nisso, lembrei de um tio querido que sempre foi famoso na minha família por saber tudo. Em épocas pré-internet, ele era o nosso Google. "Por que o eclipse afeta as mares?", "O que tomo para tosse?", "Onde era Constantinopla?" Ele sabia tudo (e sabia mesmo). Fiz um teste e perguntei para amigos quem eram as pessoas enciclopédias de suas famílias, e todos responderam que eram homens. Se por acaso você tiver uma mulher Wikipedia na sua família, reconhecida como tal, mande um beijo para ela e diga que esse blog quer entrevistá-la.

Fico pensando se alguém fala para a Angela Merkel: "Espere o Hans, veja o que ele acha", quando, sei lá, ela decide trocar de operadora de celular. Ou se na família Merkel eles ligam para um homem para tirar dúvidas de geopolítica (não duvido).

Merkel, por sinal, protagoniza vários momentos de viradas de olhos quando encontra com personalidades tipo Putin ou Trump, o "maior sabe tudo que não sabe nada da história."

Será que existe uma mulher Rubens Edwald Filho, o crítico com conhecimento enciclopédico de cinema que, esse ano, durante a apresentação do Oscar, chamou a atriz trans Danieal Vega de "mulher, que na verdade é um rapaz"? Tenho certeza que sim. Elas apenas dificilmente são reconhecidas como tais.

E como lidar com isso? Se policiando, tentando não educar os meninos como sabichões (não é fácil. Eu, várias vezes, trato meu enteado adolescente como um). E, em alguns casos, virando os olhos, assim como a Angela Merkel.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.