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Nina Lemos

“Eu errei?” A nossa culpa neurótica diante de uma briga

Nina Lemos

04/04/2018 04h00

Foto: getty Images

Acontece com quase todo mundo, mesmo com quem nunca recebeu o diagnóstico de maníaco de um pisiquiatra. Você tem um conflito com alguém. E pronto: essa situação não sai da sua cabeça, como se fosse uma música ruim daquelas que grudam. No geral, isso acontece quando temos uma briga, desentendimento, barraco com outro humano, seja ele/ela, namorado, amigo, colega de trabalho.

Tem gente que gosta muito de briga. A maioria, como eu, não é tão fã. Somos os neuróticos meio normais, aqueles não são muito agressivos, mas são donos de uma culpa gigante. Diante da possibilidade iminente da perda de controle e do barraco, toda a culpa cristã e opressão dos nossos superegos gigantes aparecem para nos importunar. Viramos pessoas insuportáveis. "Falo? Não Falo? Brigo? Digo Tudo?"

Depois de muito pensar sobre o caso e repetir essa pergunta, perdemos o controle (finalmente!) e, tomados pelo ódio, resolvemos falar umas verdades. Pronto. O mal está feito. Não para o outro, que talvez merecesse, mas para a gente mesmo.

Nossa cabeça passa a dominar nossa vida . E ela só tem um pensamento: "Será que eu falei o que devia? Será que ficou claro? Será que eu exagerei? E o que ele disse? Será que foi isso mesmo que eu entendi?

Quando o barraco/discussão acontece pessoalmente ou por telefone, "Houston, we have a problem!" Cada vez que pensamos na conversa ela vai ser diferente, como se fossem versões irreconhecíveis da mesma música. "Eu disse eu quero que se dane? Não, ela que disse que me dane!" Tudo vira um grande bololô sonoro. No auge do surto, resolvemos dormir para ver se a conversa clareia na nossa mente no dia seguinte. Estamos fora de controle.

Em tempos modernos, para deleite e azar dos neuróticos, as brigas na maioria das vezes acontecem por e-mail, WhatsApp ou mensagem de voz. Isso torna a vida do neurótico atormentado pelo conflito ainda mais insuportável. E-mails são relidos 350 vezes, áudios são ouvidos 987 vezes. No auge da maluquice, fazemos cópia das mensagens e mandamos para amigos além mar para que eles analisem.

Áudios de WhatsApp são reenviados, e perguntamos para os outros, com voz de súplica: eu errei? Exagerei? Sou maluca? Não, ela que é maluca, né? E ai do amigo se não nos der uma confirmação convincente! Enquanto a música na nossa cabeça continua: "eu errei, eu errei"!

Para com isso!

"Não fala mais nisso!", começam a dizer as pessoas íntimas que vivem ao nosso redor. "Você precisa esquecer, não quero mais ouvir falar desse assunto!" Depois que marido, mãe e os melhores amigos deram esse intimato, bate o desespero. E agora? Para quem eu vou falar? A tendência é que você passe a contar o caso para amigos que ainda não sabiam da história. Até que uma hora eles também vão cansar, claro. Você pode sair para a rua e contar a historia para passantes.

Mas o melhor, no fim, é tentar seguir o conselho dos amigos e familiares (em geral, eles querem mesmo o nosso bem). Mas… como? Parece impossível, eu sei.

Uma boa solução é adotar a técnica da gênia Jô Hallack, que escreveu, lá na época do 02 Neurônio, sobre a teoria dos dois problemas. Trata-se da seguinte ideia: se você tem dois problemas, você pode se concentrar em um e depois pular para o outro, assim você não fica obcecada por nenhum deles (é loucura, claro, mas funciona). E como arrumar problemas? Leia o noticiário, entre em uma treta na internet (moleza esses dias).

Ou tente sufocar as vozes que gritam: "errei, não errei, errei, não errei" à força. Não vai adiantar. Mas com o tempo, como qualquer virose, a síndrome da culpa diante da briga vai passar. E uma manhã você vai acordar e falar: "eu estava louca". E seus amigos vão falar: "estava". E no fim todos vão rir disso tudo. Quem nunca?

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.