Topo

Nina Lemos

A Anitta tem que se declarar feminista? Não!

Nina Lemos

30/04/2018 14h27

Anitta virou polêmica de novo, semana passada. Ela fez algo? Não, exatamente. A cantora deu uma entrevista e disse que não se considera exatamente feminista. Qual o problema? Pelo que vejo, nenhum. Mas virou escândalo.

"Eu levanto a bandeira dos direitos iguais, só acho que hoje em dia tem mudado um pouco essa questão; as pessoas estão achando que é colocar a mulher acima do homem. E não é. Pra mim, são direitos iguais mesmo. Eu só não gosto de ser confundida com essa parte que, para levantar a mulher, precisa colocar o homem para baixo."

Muitos fãs ficaram decepcionados com Anitta e pessoas que nem são fãs saíram para cobrar a cantora de 25 anos. Claro, feminismo é justamente sobre direitos iguais. Mas Anitta tem obrigação de se declarar feminista? Por que teria?

"Ah, porque ela usa termos do feminismo, se utiliza dele, fala em empoderamento", podem dizer alguns. Realmente, vocês não perceberam ainda que essa palavra foi banalizada e hoje serve até para vender sabão em pó? Existe até coach de empoderamento feminino homem, curso para andar bem de salto alto (!) usando a palavra empoderamento (eu juro) e vocês vão pegar no pé logo da Anitta, uma menina de infância pobre na periferia do Rio, batalhadora, que cuida de boa parte dos seus negócios e consegue fazer um sucesso danado com isso?

Anitta tem uma carreira que nasceu independente. Isso é admirável e não acho que ela esteja "traindo causa" nenhuma.É a Anitta, mesmo, a grande "aproveitadora" do feminismo? Gente, olha em volta!

Feminismo a 4 mil reais

"We should all be feminists" (Nós devíamos todas ser feministas). A frase estava escrita em uma camiseta do desfile da Christian Dior para a primavera verão de 2017. Preço: cerca de R$4mil (por uma camiseta branca com uma frase escrita E vendeu pencas).

Eu acho, mesmo, uma boa ideia que as mulheres sejam feministas, já que, só para citar o básico, ainda ganhamos, no Brasil, cerca de 22,5% menos que os homens. Lutar contra isso é meio óbvio.

Mas cito a camiseta da Dior para dar um lembrete: quando um movimento vira slogan de camiseta de grife de luxo em desfile em Paris é porque , literalmente, ele virou moda. Isso não é necessariamente ruim, mas significa que (muitas!) pessoas estão usando o termo para ganhar dinheiro. Muito dinheiro. Uma grana que a gente nem imagina.

"Ah, mas a Anitta fala muita bobagem". Fala, eu falo, tu falas. E repito, ela é uma cantora, não tem que ter opinião sobre tudo.

Sim, são épocas em que até a gente, que nem é famoso nem nada, se sente obrigado a opinar sobre o programa de TV "MasterChef" e o conflito na Síria.

E na mesma entrevista em que diz que não levanta a bandeira do feminismo, Anitta diz que está cansada de ter que dar opinião sobre tudo. Entendo totalmente. Ela não tem obrigação. Ela é apenas uma cantora pop, não embaixadora da ONU.

Se o feminismo virou a palavra da moda e é usado para vender de tudo, qual o problema de Anitta tirar uma casquinha? Nenhum.

Trégua, gente. E um pouco menos de inocência e de espírito cobrador também… E, como sempre digo, ninguém tem que nada.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.