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Nina Lemos

Meghan Makle, “a galinha”: noiva real é alvo de festival de machismo

Nina Lemos

18/05/2018 05h00

"Finalmente, a família real está mudando, um príncipe vai casar com uma mulher negra, divorciada, feminista". Os muito otimistas olham com esse filtro cor de rosa o casamento entre a atriz Meghan Makle e o príncipe Harry, que acontece nesse sábado. Bem, só o fato de existir uma família real não parece coisas de novos tempos, muito menos esse papo de uma mulher ter que ser "aceita."

Más notícias para os que acreditam na tal mudança da realeza e do mundo. O tal "conto de fadas" nem começou direito ainda e já ganhou ares de "histórias sobre uma vadia", mostrando que ser mulher em 2018 ainda pode significar ser chamada de galinha, sexy demais (se você não se comportar do jeito esperado). Aff.

A noiva, desde que o relacionamento foi anunciado, tem sido submetida a toda sorte de dedos apontados e histórias tipo "essa menina é fácil, uma vagabunda". Existe um termo em inglês para isso: "slut shaming", a tradução seria algo como ser culpada e humilhada por ser considerada muito rodada e outras expressões dos tempos das nossas avós.

Moderno, não?

A imprensa inglesa, famosa por amar esse tipo de sensacionalismo (e a mídia mundial vai na onda) já arrumou todas as maneiras imagináveis de tentar provar que Megan é uma mulher de mil amantes, uma pornógrafa, um vulcão do sexo. A pergunta é: e se fosse?

Mulher de vida fácil

Desde pequenas aprendemos (pelo menos eu que tenho idade para ter assistido o casamento da princesa Diana) que uma moça tem que se comportar, o que significa não ser fácil, não ter mil caras, não ter um passado. Para o homem, óbvio,vale o contrário. Ele nunca será rodado, mas experiente. Ele nunca se comportara como uma "vadia", ele será sedutor. Chocante que isso ainda aconteça. Mas a gente sabe que não é só nas fofocas sobre a família real.

Com a aproximação da boda, os gritos de "vadia" aumentaram. Sexismo ainda gera cliques e vende jornal (o que prova que muita gente concorda com ele). E jornalistas tem feito uma guerra para ver quem acha mais podres na vida de Megan (principalmente no sentido sexual, claro). Os tais "podres" seriam lista de namorados (porque mulher "limpinha" não tem passado, lista de casinhos (onde já se viu alguém que quer casar com um príncipe ter casos? Casos é coisa para homem!), fotos postadas no Instagram e deletadas pela atriz e cenas de sexo que ela protagonizou em sua carreira.

Seu mais recente trabalho foi no seriado "Suits". Pronto, todas as cenas mais sexies estão sendo reprisadas. Pequenas participações "sensuais" feitas em outras séries tem sido procuradas como ouro por caçadores de fofocas. Uma das "reportagens" de um tabloide inglês pergunta: "mas será que o príncipe Harry vai conseguir lidar com isso?"

Bem, tadinho do príncipe Harry, né? Esse "santo" que já se vestiu de nazista em uma festa a fantasia e foi fotografado pelado em uma noite de loucuras "para homem" em Las Vegas e é famoso pela juventude politicamente incorreta e "problemática"…

Meghan se meteu em um vespeiro sexista? Sim. Por quê? Não temos a menor idéia e não é de nossa conta. Mas o comportamento da geral em relação a sua "fama" não surpreende em nada.

A princesa Diana, que foi detonada depois de resolver viver depois de anos de infelicidade no relacionamento com o príncipe Charles, que o diga.

Nada disso é novidade. Mas será que Meghan entrar para a família real vai mudar algo? A imaginar por esse começo estilo "olha a vadia", parece que não. E, claro, a culpa não é dela.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.