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Nina Lemos

Philip Roth me ajudou a entender os homens, a velhice e a morte

Nina Lemos

23/05/2018 16h49

Philip Roth

Quando o seu escritor predileto morre, a sensação é: nunca mais vai existir um livro dele novo. Esse sentimento arrasa fãs de Philip Roth como eu no dia de hoje mundo afora. E se você nunca leu nenhum dos livros do escritor americano, considerado o maior autor contemporâneo, morto ontem aos 85 anos, você tem sorte.

Sabe por quê?

Porque você vai ter o prazer de ler cada romance do Roth pela primeira vez. E me lembro da amiga Pinky Wainer, que uma vez disse ter um sonho: esquecer todos os livros do Roth, só para ler tudo de novo.

Não pense que vai ser fácil. O escritor não veio ao mundo para nos dizer que a vida é fofinha, muito pelo contrário. Ele veio para jogar verdades, provocações e muita humanidade (cheia de defeitos, perversões e taras) na nossa cara.

"Na sociedade humana pensar é a maior transgressão que existe.", diz um personagem do livro "Casei com um comunista."

E Roth, além de gênio da escrita, pensava. E como.

Comecei a ler a sua obra quando ele, já perto dos 70, passou a escrever livros inteiros sobre morte, doença, decrepitude. Pesado. Necessário. Livros como "Fantasma sai de cena", "O Homem Comum" e o "Animal Enjaulado" devem ser companhia da crise dos 40 de qualquer um. Você vai encontrar personagens lidando com impotência, incontinência urinária, funerais de amigos. E mesmo assim vai ser ótimo.

E você, além de refletir, vai se divertir. Em "Fantasma sai de cena", por exemplo, ele fala sobre vício em celulares. No livro, um escritor aposentado (Nathan Zuckerman, presente em muitas das principais obras de Roth) volta para Nova York (em busca de atendimento médico) depois de dez anos vivendo adoentado em uma serra e dá de cara com algumas mudanças.

"O que me surpreendeu mais nos primeiros dias andando pela cidade? As coisas mais óbvias_ os telefones celulares… Eu lembro de uma Nova York onde as pessoas andavam pela Broadway parecendo falar com elas mesmas como malucos. O que teria acontecido nesses dez anos para eles de repente terem tanto para falar_ tanta coisa importante que não podia esperar para ser dita? Por todo lugar que eu andava, alguém estava na minha frente falando ao telefone e alguém estava atrás de mim falando ao telefone. Dentro dos carros, os motoristas estavam no telefone. Quando eu peguei um taxi, o taxista estava no telefone. O que tinha acontecido para eles preferirem falar ao telefone ao invés de andar na rua sem ser visto por ninguém, se sentindo momentaneamente solitário, assimilando as ruas, tudo que a atividade de uma cidade pode inspirar? Para mim, isso fez as ruas parecerem cômicas e as pessoas ridículas. E ainda assim, parecia uma verdadeira tragédia. Erradicar a experiência de estar sozinho deve ter um efeito dramático. Quais seriam as consequências?"

Difícil saber sem Philip Roth aqui para nos explicar…

Tentando entender os homens

Nem só sobre pensamentos mórbidos (e tão reais) escreveu Roth.

Depois de ler seus livros sobre a velhice e a morte (escritos nos anos 2000), voltei para o começo e li todos os outros que foram lançados no Brasil.

E ali, você cai direto na geração do pós Guerra, onde o personagem de Roth, um garoto judeu de uma área pobre de Nova York, tem uma relação obssessiva com mãe, fantasias sexuais, muito desejo ( "O Complexo de Portnoy)" e vive cercado de repressões.

Sempre achei que Philip Roth me ajudou a compreender os homens melhor (no sentido de entender como meus amigos pensam às vezes). Isso porque suas obras têm protagonistas obcecados por fantasias sexuais, professor com crise de idade que tem caso com aluna mais nova ("O animal Acorrentado"), infidelidades e por aí vai.

Isso fez com que Philip Roth já tenha sido acusado muitas vezes de ser machista. Não caiam nessa conversa. Leiam os livros. E entendam, com a ajuda dele, que a tal da "experiência humana" pode ser muito, mas muito complexa.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.