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Nina Lemos

Quanto custa? Entenda a turma que usa moletons que podem chegar a R$ 18.000

Nina Lemos

04/06/2018 12h35

Felipe Escudeiro, do canal Hype Content. Foto: Divulgação

O advogado e criador do canal de youtube Hype Content, Felipe Escudeiro, 27 anos, tem 25 pares de tênis. Os preços variam entre R$ 1.000 e R$ 5.000. Para conseguir um tênis edição limitada, ele já ficou 40 horas em uma fila.

Felipe é um dos autores do video "Quanto custa o outfit?", que viralizou e chocou o Brasil inteiro ao mostrar jovens em uma feira de tênis que respondiam a essa pergunta: "quanto custou seu outfit?". As respostas eram chocantes. "Cinto da Off White, R$ 1.000, bolsa da Supreme, US$ 1.200" e por aí vai. O segundo episódio, no mesmo estilo, estreou ontem e causa o mesmo susto: tênis, R$ 3.000, bolsa R$ 4.000 etc.

Que mundo é esse onde se paga R$ 1.000 em um cinto? Que cinto é esse?

Felipe, assim como as pessoas que aparecem no vídeo, fazem parte do "movimento hype" e por muitos é considerado um "hype beast".

Como assim? "Hype" é um "movimento" de jovens que cultuam roupas de grife caríssimas de marcas de street wear e "hype beast" é o poderoso, aquele que coleciona mais e mais roupas caríssimas desse estilo. Exemplo de um hype beast famoso: Neymar, que foi visto usando um moletom de R$ 18.000 reais da Supreme em parceria com a Louis Vuitton.

Neymar usando a jaqueta de R$ 18.000 ao lado de Barbara Palvin e Lewis Hamilton. Foto: Getty Images

Surreal? Sim! Mas não pense que a loucura acontece só no Brasil. O fanatismo por peças de street wear de luxo é um fenômeno mundial. Ano passado, em Berlim, quando o rapper e hype beast Kanye West lançou uma linha de moletom de luxo, em uma das mais famosas galerias de arte da cidade, as filas ocuparam dois quarteirões.

Moletom de R$ 20.000

Essa turma não reverencia qualquer marca, pelo contrário, são bem específicos. As marcas alvo de culto são grifes street wear que descobriram um filão e tanto: fazer coisas que para nossos olhos não são nada, como camisetas normais com nomes de bandas e dizeres, moletons de malha, tênis, cintos, cuecas e bonés que são vendidos por preços absurdos, que variam entre R$ 500 e R$ 20.0000.

Como e por que motivo se paga isso? Exclusividade e o nome da marca escrito bem grande são as primeiras respostas. Essa turma ama ostentar um logo e uma peça feita em pouca quantidade. A lógica é aquela antiga: eu tenho, você não tem.

As marcas que transformam uma malhinha em diamante são, hoje, principalmente a Supreme (espécie de deus nesse mundo), Bape, Off White, marcas tradicionais como Nike e as peças mais básicas de grifes de luxo como Gucci, Versace, Balenciaga e Comme Des Garçons.

"Somos fãs de hip hop e esse é um movimento ligado à música, os caras dos grupos usam, e até falam sobre as marcas em suas músicas. Se você vê o seu ídolo usando, você também quer ter. As duas coisas são ligadas", diz Felipe.

Babe, Supreme e Bape

"Eu quero muito sex e Babe, Supreme e Bape",  diz uma das frases da música "Supreme e Bape", do grupo brasileiro de rap ostentação Cacife Gold. No clipe, os vocalistas e figurantes aparecem todos usando peças da Supreme, que tem um logotipo muito fácil de reconhecer: vermelho e branco. E grande.

Ao chegar em Londres semana passada, Neymar puxava uma chamativa mala vermelha, onde estava escrito bem grande: Supreme. Preço aproximado: R$ 6.000.

Mas que porcaria é essa de Supreme? Trata-se de uma marca de skate criada nos anos 90 que virou um fenômeno mundial por criar um marketing superesperto. Eles lançam produtos em pouca quantidade e fazem parceria com marcas de peso, como Louis Vuitton. Toda semana, uma coleção é lançada na internet. As peças esgotam em segundos. Muitas delas são compradas para revenda. Na mão dos revendedores, o produto "raro" pode subir até 40 vezes de preço.

"Eles lançam um número de produtos muito menor do que a demanda, por isso que fica tão caro on-line, porque esgota", conta Felipe, que também faz revenda. "Tenho um contato em Londres que compra para mim, porque, para ficar na fila online, você tem que estar na Europa ou nos Estados Unidos. Algumas vezes ele vai para filas de loja física também. Ao invés de comprar um par de tênis, ele compra três e me envia um ou dois pares".

Ele conta que pagou R$ 5.5000 por um tênis Balenciaga comprado na loja por 600 dólares (cerca de R$ 2.000). "Só o imposto  que pagamos quando o produto chega no Brasil é de 60%", explica.

A editora de moda da revista Elle, Vivian Whiteman, explica o sucesso da fórmula. "Eles têm lançamentos contínuos, produção limitada e trabalham com pop-ups (lojas temporárias). É um formato que gera ansiedade, a espera é curta, sempre se renova, como um seriado que você quer acompanhar."

Felipe confirma a teoria de Vivian. "É um estilo de vida. Você se acostuma a consumir esse tipo de produto exclusivo. Não acho mais graça nos outros. E conseguir comprar um produto é uma adrenalina", conta. Felipe paga suas peças com seu dinheiro que ganha como advogado e com as revendas. "Se compro três tênis e vendo dois, o meu se paga."

Alguns preços de produtos de marcas "hype" encontrados em sites brasileiros de revenda: Jaqueta Supreme de couro: R$ 11.300. Moletom Off White, R$ 4.000, pochete Supreme, R$ 1.200. Os produtos mais "baratinhos" são os bonés, que custam cerca de R$ 500.

Essa ostentação, claro, é alvo de críticas dentro e fora do mundo da moda. "Li uma entrevista do estilista da Balenciaga dizendo que a nova geração de consumidores não está preocupada com perfeição. A resposta está aí. Abdicam para ostentar, mostrar a marca", diz o estilista José Gayegos.

Saudades da mochila da Company

"O que interessa para esses consumidores é colecionar, tipo ter 300 pares de tênis e só usar uma vez, essas coisas. Colecionar não é algo novo, existe todo um universe específico para os 'sneakheads (loucos por tênis)"', explica a editora da moda da revista Elle Vivian Whiteman.

Mas quem pode pagar por isso? Vivian explica. "O público é muito grande, mas quem de fato pode comprar é pouca gente. Os que querem e não podem comprar são tão importantes quanto, porque alimentam o mito", diz. "É essa nova velha ideia de pertencer a um grupo com códigos, o que inclui a grana, o fato de ser caro, a competição e uma aura que é de ostentação mas só para quem fala a mesma língua, que compartilha um bonde de referências e a ideia de uma vida de uma estrela cool."

Saudades de quando para sentir que pertencia bastava a gente ter uma mochila da Company, um tênis Redley e um moletom da Pakalolo…

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.