Topo

Nina Lemos

E se tivéssemos um VAR para a vida?

Nina Lemos

29/06/2018 04h00

"Você precisa escrever sobre o VAR para a vida", diz minha parceira Jô. Ela e uma amiga estão loucas com a ideia de ter um assistente de vídeo que nos ajude a entender momentos importantes (ou corriqueiros, mesmo) das nossas vidas.

O VAR (Video Assistant Referee), para quem não sabe (sério?) é o auxílio de vídeo usado como assistente pelos árbitros da Copa do Mundo desse ano. Se um lance importante é muito duvidoso, juízes em uma salinha assistem à jogada em vários ângulos, para tomar uma decisão: tipo, foi pênalti ou foi teatro?

Não é só minha amiga que clama por um VAR para a vida. A ideia se popularizou no Twitter.

"Preciso de um VAR que me ajude a olhar de novo as bobagens que fiz na minha vida."

"Quero um VAR para me ajudar a ver o que eu disse quando estava bêbado."

Já que a vitória do Brasil na Copa ainda parece distante, nos contentamos com um VAR. Um assistente de checagem.

O VAR seria, fora do ambiente virtual, o que é hoje um print de conversa de WhatAsapp (ou Messanger ou qualquer outro aplicativo de conversa). Sim, quem nunca deu uma checada com amigos em palavras ditas online e usou o print como uma espécie de VAR?

Como funciona? Oras, você tem uma briga. Fica em dúvida se estava certa ou não, se pegou muito pesado… Tira um print. Manda para dois amigos, que, como os homens da salinha do VAR, analisam a situação de vários ângulos.

Eu, na verdade, tenho um grupo de WhatsApp de amigos que é a própria salinha do VAR. Mando meus prints, amigos mandam o juízo: "Pronto, arrasou." Ou: "Tá, mas agora chega" (o que significa, mais ou menos, você já deu um meio barraco. Quem não tira prints de conversa e manda para análise? Quem não se aproveita dessa incrível tecnologia?

Os que clamam pelo VAR na vida (e me incluo no grupo) querem um assistente de julgamento para aqueles momentos do tipo:

Ele disse "a gente se vê" ou falou "vamos nos encontrar no sábado que vem?" (a primeira alternativa, vocês sabem, significa "não quero mais te encontrar").

"A pessoa foi mesmo irônica comigo ou eu que tô viajando?"

"Mandei bem na entrevista de emprego ou falei demais e fui ridícula?"

"Aquela amiga colocou mesmo a culpa em mim por uma coisa que eu não fiz?"

"Ele foi mesmo um babaca e devo terminar com ele?"

"Aquela pessoa me deu um corte na reunião e tentou me queimar ou foi só impressão."

E, claro, queremos o VAR para saber se demos ou não as respostas merecidas. Se arrasamos no final de uma discussão (o que quase nunca acontece, claro, porque as respostas boas sempre vêm depois, em casa, na insônia).

Nos delírios de nós, que queremos um VAR para a vida, as imagens e diálogos dessas situações seriam gravadas e enviadas para os tais juízes de análise.

Eles dariam vereditos simples, como: "sim, você foi grossa". "Sim, ele disse vamos nos ver". A questão, que ninguém sabe ainda é: como reagiríamos (e o que faríamos) com o resultado do VAR?

Sim, errei. Sim, ele não quer me ver. Sim, fui traída. Confirmou. E aí? Sentar no chão e chorar tipo o Neymar no jogo contra a Costa Rica? Brigar com o juiz? Teríamos que fazer uma coisa que não há VAR no  mundo que ensine e que já fazemos desde que nascemos, lidar com erro e frustração. Para isso, não tem tecnologia que resolva, nunca terá. #aceitem. Não há VAR que torne a vida fácil.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.