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Nina Lemos

Conversar sobre assuntos "sérios" e ser ignorada pelos homens: quem nunca?

Nina Lemos

04/07/2018 04h00

Foto: Getty Images

Há um tempo, eu fazia parte de um grupo de WhatsApp onde se discutia política. Atenção, eu gosto de política desde que me entendo por gente. Diria que é um vício. Meu futebol. Então, é um assunto que eu acompanho, entendo. Tinha muita gente no grupo, homens desconstruídos modernos, famosos, artistas e muitas mulheres que, como eu, gostavam muito de política.

Larguei esse grupo, assim como várias outras mulheres, porque acontecia o seguinte: estava rolando uma conversa, você resolvia opinar. Eles continuavam a conversar entre eles e não te ouviam. Até que você tinha que gritar em caps lock: ESCUTA, EU ESTOU AQUI! ESTOU FALANDOOO! Depois das broncas didáticas, eles davam uma maneirada. Mas, 10 minutos depois, você estava lá gritando sozinha. MAS EU ACHO… POIS EU PENSO! E… ninguém escutava. Todos estavam surdos, como diria o mano Chico Science.

Como eu não gosto de falar sozinha (pelo menos não com outras pessoas no grupo), fui-me embora, deletei o tal grupo e procurei outros onde sou ouvida (sim, eu gusto de grupos de WhatsApp de política, cada um com a sua esquisitice).

Essa experiência me fez lembrar de ocasiões  ao longo da minha vida onde aconteceu o mesmo. Eu, ali, na mesa do bar, tendo que gritar para falar. OI, ESTOU AQUI, POIS EU ACHO QUE… Ninguém ouvia, eu desistia. Obviamente, parei de frequenter as rodas onde isso acontecia.

E, digo mais, eu tenho sorte de ter amigos homens (sempre tive) que me escutam e me tratam como ser humano igual. Mas, pensando bem, não foi sorte, foi escolha. Não me ouve, como ouve os manos, não dá para ser meu amigo, ponto. Mas, de vez em quando, eu caía de novo lá, em uma roda onde homens discutiam literatura e mulheres ouviam. Quando eu tentava falar, não era ouvida. Uma chatice.

Para mim, esse tipo de atitude era machista, chata, mas normal. Algo que fazia parte da vida. Principalmente, quando os assuntos da mesa eram aqueles de "adulto", como política, literatura, música. Lembrei de uma amiga cantora, amiga querida, gênia, que me contou que várias vezes não era ouvida pela própria banda! Banda que ela pagava o cachê, escutem bem.

Desde a Grécia antiga!

Lendo um livro (recomendo muito, a obra mostra vários ângulos sobre como a mulher é estereotipada quando no poder) chamado "Mulheres e Poder, um Manifesto",  da pesquisadora inglesa Mary Board, encontro que esse tipo de atitude de interromper (o famoso "manterrupt") e tentar silenciar (encaixo aqui o se fazer de louco e não ouvir), existe desde a Grécia Antiga e da Roma Antiga e é retratado em boas partes dos livros de literatura clássica.  E, claro, atinge mulheres de poder até hoje, como Angela Merkel. Então, não é normal. É um padrão que se repete há milênios e que precisa ser interrompido.

Não sou eu que estou falando, mas uma intelectual britânica que é uma das maiores especialistas em Classicismo do mundo. Quem sabe com ela falando vocês não ouvem?

Nem tanta coisa mudou assim da Grécia Antiga até os botecos on-lines e reais de hoje… A solução? Não parece tão fácil. Mas o que recomendo? Na vida cotidiana, sinceramente, prefiro mudar de grupo, seja virtual ou da vida real. Agora, em debates, escola ou coisas do gênero, se não te escutarem, grite! Fazer o quê? E, um  pedido, não é apenas deixar a menina falar. Escute o que ela fala, oras!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.