Topo

Nina Lemos

Caso Cocielo: o Youtube não é um antro perigoso do mal

Nina Lemos

06/07/2018 04h00

Nataly Neri/ Divulgação

Há uma semana, desde que o youtuber Cocielo publicou uma piada racista no Twitter (e outros vários tuítes racistas de sua autoria foram descobertos), nós, adultos, descobrimos que ele existia. Depois, ficamos chocados ao saber que ele tinha mais de 17 milhões de seguidores e era um dos youtubers com maior audiência do Brasil. O choque aumentou quando vimos que outros youtubers de megasucesso, que falam com mais de 10 milhões de pessoas, tem um discurso, digamos, "complicado".

Assisti a alguns deles e, sim, também fiquei assustada ao ver que muitos usam vocabulário machista, são contra feministas, gays. Horrível.

Mas, polêmica instaurada, alguns de nós passaram a enxergar o Youtube como uma zona desconhecida do mal, onde habitam monstros. "O que será feito das nossas crianças?", perguntamos, como velhos (no sentido da cabeça, não da idade).

Calma lá!

Claro que vomitar ódio e comportamento "politicamente incorreto" para adolescentes virou um enorme filão de mercado. Mas não acho, sinceramente, que o Youtube seja um antro do mal. Muito pelo contrário. Como disse meu amigo escritor Santiago Nazarian: "As mancadas e derrapadas de alguns deles não devem servir para condenar todo um cenário."

Se não fosse o Youtube, não existiriam centenas de meninas negras com voz, ali, discutindo coisas de maior importância que, sim, as ajuda. Muda vidas. Nem meninas gordas falando contra gordofobia, discutindo suas questões, jovens gays contando como saíram do armário para os pais… E nem conteúdos apenas divertidos, mas que qualquer um pode fazer, da sua casa.

Como tudo na vida, tem um lado bom. E tem um lado ruim.

Caí em alguns canais, meio que por acaso, e virei fã. E, sim, aprendi coisas com, por exemplo, meninas negras com idade para serem minhas filhas. Com elas soube da importância do processo da transição capilar, da solidão da mulher negra e de outros temas importantes. Divido aqui alguns dos canais que acho que são bacanas.

Gabi das Pretas: uma das minhas preferidas. Ela fala de maquiagem, cabelo e também de questões sérias de um jeito didático e nada chato. Gabi tem carisma, é divertidíssima. E, claro, repudiou o Cocielo.

Alexandrismos: fala sobre gordofobia, depressão, tudo com humor. Levanta questões como: por que todo mundo acha estranho quando uma gorda está na academia?

Ana Paula Xongani: um de seus vídeos, contando como sua filha negra sofria preconceito mesmo ao brincar no parquinho (as outras crianças a ignoravam) viralizou e fez muita gente se emocionar com um depoimento forte e real.

Nátaly Neri: responsável pelo canal "Afros e Afins", ela dá desde dicas para cabelos crespos e dreads e até toca em pontos espinhosos, como: "Dá para ser feminista e funkeira ao mesmo tempo?"

Jout Jout Prazer: não precisa ser fã para reconhecer o carisma e a inteligência de uma das Youturbers mais famosas do Brasil. Jout Jout tem quase dois milhões de inscritos e não acho, mesmo, que ela seja uma má influência para ninguém. Muito pelo contrário.

Essa é apenas uma lista de top 5, existem muitos outros. E, claro, selecionei aqui mulheres que acho que merecem nossos likes e assinaturas. Mas existem coisas legais em todos os seguimentos. Assim como também tem lixo, igual na televisão. A diferença é que um vídeo para o Youtube você pode fazer sozinha na sua casa. Como pessoa de alma punk, que acredita no "faça você mesmo", não consigo achar isso ruim.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.