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Nina Lemos

Volta de Mc Melody é um sintoma que não pode ser ignorado

Nina Lemos

13/07/2018 04h00

MC Melody apareceu há três anos –empresariada por seu pai, o MC Belinho– e deixou muita gente (essa blogueira incluída) em choque. Afinal, ela tinha oito anos e, na época, era uma criança com atitude, maquiagem e roupa que imitavam uma adulta sexy.

Melody virou notícia internacional. O caso (e não a menina, que fique claro, Melody é vítima, é menor de idade e não deve ser culpada por nada) expunha um lado horrível do Brasil. Aquele que é um dos campeões em casos de abuso. O país triste para onde europeus nojentos rumam todos os anos para fazer turismo sexual, muitas vezes, com menores de idade (eles são nojentos, mas onde está o controle?). O país onde todas nós, mulheres, colecionamos histórias de assédio que sofremos quando ainda éramos crianças.

Na época, o caso da cantora chegou a ser investigado pelo Ministério Público de São Paulo.

MC Melody está de volta em 2018. Voltou profissionalizada, com um clipe megaproduzido, cantando melhor. Até aí, ótimo. E, repito, não escrevo contra o funk, contra Melody ou contra o fato de ela cantar. Se ela quer ser uma artista, desejo que seja uma grande artista. Não é isso.

O fato é que Melody agora tem 11 anos, ainda é uma criança. E em seu retorno ela continua com a imagem sexualizada pela equipe que trabalha com ela, com permissão de seus responsáveis.

Essa semana, uma foto dela, com um visual de adulta, chocou de novo. Ela parece ter 25 anos. Ela tem 11. Isso é muito sério.

Em janeiro, os produtores e empresários da cantora (ela tinha dez anos, então, não vamos dizer que "foi ela") postaram na internet uma paródia de "Vai Malandra",da Anitta, onde Melody aparece de biquíni rebolando em cima de lajes (preferimos não reproduzir a imagem aqui). Entre os comentários do clipe no Youtube, tem um que diz assim: "já dá um caldo". Alguns homens deram joinha e riram do comentário. Se isso não é pedofilia, isso é o quê?

Ler os comentários do Instagram da menina é triste. Ela é chamada de feia, de ridícula (só isso já seria o suficiente para pensar sobre os danos de expor uma criança na internet. Se o bullying virtual já é difícil para nós, adultas, imagina para uma criança?).

Alguns "garotos"comentam no video que ela é linda. Melhor não pensar nos pedófilos mirando seu corpo. Vale lembrar que está escrito lá que a conta é administrada pelo pai da cantora. Não é ela. Não xingue a garota!

E, sim, Melody já foi alvo de ataques. Seu pai, na ocasião, disse o seguinte: "Eu ignoro. Bloqueio. São doentes."

Juro que eu queria conseguir ignorar o fato de uma menina estar exposta nesse nível aos oito anos. Mas não consigo. Ainda mais quando lembro que Melody é apenas o caso mais famoso. Milhares de meninas no Brasil passam pelo mesmo. Melody não é lacradora nem ridícula, como dizem seus haters, ela é sintoma de uma sociedade que hipersexualiza meninas. Triste.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.