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Nina Lemos

É hora da indústria de beleza parar de usar o termo anti-envelhecimento

Nina Lemos

23/07/2018 04h00

"Usar o termo anti-envelhecimento faz a mesmo sentido de falar que você é anti-vida". A frase faz parte de um relatório divulgado pela sociedade britânica "Royal Society for Public Health, Vision, Voice and Practice (Sociedade Real para Saúde Pública ,Visão, Voz e Prática)", uma das organizações de saúde e bem-estar mais tradicionais do Reino Unido. E faz todo sentido. Não custa lembrar: todos vão envelhecer. Com exceção daqueles que, tristemente, morrem jovens.

A sociedade, nesse estudo divulgado em junho, clama para que o termo "anti-envelhecimento" (anti-aging) seja banido da indústria de cosméticos, das revistas, dos sites femininos. Parece uma boa sugestão.

Motivos não faltam. A expressão anti-envelhecimento, além de aumentar o preconceito contra quem envelhece (todos nós), é mentirosa, já que todos vão envelhecer. A fórmula da juventude eterna existe nos romances e nos contos da fada. Não, na vida real não tem Peter Pan nem Dorian Grey, por mais que eles eles venham disfarçados de Lancôme.

"Todos os seres humanos — em todas as fases da vida — estão envelhecendo a seu próprio modo, como consequência natural de estarem vivos. Portanto, a presunção explícita de que o envelhecimento é algo indesejável e que deve ser combatido a todo momento é tão absurda quanto perigosa ", diz o relatório.

Palmas.

Luz no fim do túnel

A associação não é a primeira para atentar para o fato. Algumas empresas importantes já acordaram para o assunto. Desde 2017, a revista americana "Allure" parou de usar o termo. Mês passado, foi a vez da poderosa revista "Vogue" avisar que pararia de usar a expressão e que era a favor e que era contra a propagação da ideia da juventude eternal. A versão brasileira apoiou a decisão.

São boas notícias. Mas é só o começo. Vá até a prateleira de cremes. Lá estão os produtos "anti-envelhecimento" e "anti-aging", o termo em língua inglesa adaptado por muitas marcas e consumidoras. Esse termo não está só nos produtos de beleza, claro. São os tratamentos anti-envelhecimento, as dietas anti-envelhecimento. O recado é claro. Envelhecer: evitem. Como se isso fosse possível….

Ninguém aqui está falando (nem essa blogueira nem as pesquisas nem as revistas) que a gente deva parar de usar nossos cremes ou de nos cuidar. Mas é diferente usar um produto que seja, por exemplo, contra flacidez da pele, ou mesmo que retarde ou atenue rugas do que um produto que seja "anti-envelhecimento."

Alguns dados da pesquisa, feita com britânicos:

49% das mulheres se sentem pressionadas a terem sempre aparência jovem. Entre os homens, o número é menor: 23%. E aqui nós gritamos: JÁ SABÍAMOS. George Clooney gato e Madonna "caída" estão aí para provar. Homem grisalho, meio barrigudo, meio careca, é charmoso. A gente é velha, baranga, passada. E, não por acaso, somos nós, mulheres, o grande alvo da indústria anti-envelhecimento. Claro, se você é uma "caída", se você só se vê representada por jovens, você vai comprar produtos "anti-idade". É simples.

As coisas mudam

As coisas estão mudando (para melhor) Revistas como a "Vogue", a "Elle" e várias outras começam a colocar mulheres "de idade" em suas capas. Elas também aparecem cada vez mais em desfiles e até em propagandas de cosméticos.

São todos passos importantes na luta contra a discriminação contra pessoas mais velhas. Sim, essa é uma causa. E esse é considerado um dos últimos preconceitos universalmente aceitos. Que seja apenas um começo.

E lembre, por mais miraculoso e caro que seja o produto anti-rugas, não vai adiantar. Vamos todos ficar velhos. E depois… bem, vocês sabem…

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.