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Nina Lemos

Sommeliers de pelo feminino: por que sovaco incomoda tanta gente?

Nina Lemos

08/08/2018 04h00

Gigi Hadid. Foto: Reprodução

Faz muito tempo (eu era mais jovem e corajosa) que escrevi um texto no finado "02 Neurônio", aqui mesmo no UOL, com o título: "Boicote à depilação na virilha." Nunca fui tão atacada na vida. Fui chamada de suja, nojenta etc. Virei uma monstra horrorosa, imunda, uma pária da sociedade. Na época, não entendi tanto ataque. Até que me lembraram de todas as mulheres que já foram alvo de polêmicas depois de posar na Playboy exibindo pelos que não estivessem de acordo com a moda da época. Sim, a gente tem que seguir a moda até com nossos pelos se não quiser confusão.

Isso porque existia (e ainda existe) uma categoria de sommelier: o de pelo feminino. Muitos homens e mulheres se sentem no direito (e tem uma espécie de prazer bizarro) em olhar para os pelos de mulheres e analisá-los criticamente: "muito lisinho", "mal cortado". E se tiver pelo… Meu Deus! A moça vira imediatamente uma traidora da sociedade. Ou será lembrada para sempre por isso (ei, Claudia Ohana).

Lembrei disso ao ler os comentários de uma foto postada pela atriz Maria Flor no Instagram ontem, Flor postou uma foto com o sovaco cabeludo e ainda escreveu: "Sovaco livre", "free sovaco", "meu sovaco minhas regras." Ao lado de comentários encorajadores, claro, vieram os sommeliers revoltados:

Suja! Isso é falta de higiene!

Não consigo olhar nem para os pelos do meu marido, não vou querer olhar os seus!

A maioria dos comentários negativos (revoltados, chocados) era de mulheres. Quanto auto-ódio, não? Como odiamos nossos próprios pelos. Jogaram tanto esse papo para cima da gente (que eles eram sujos, impuros) que colou.

Já ouvi de muitas moças o papo da "questão de higiene". Com soberba, muitas mulheres dizem: "Isso é hi-gi-e-ne", enquanto olham outras de cara feia como se elas fossem sujas por não serem adeptas da depilação íntima (que, inclusive, é questionada por médicos).

Atenção, no caso do argumento da higiene, vale uma lembrança histórica. As mulheres começaram a se depilar/raspar na década de 1920 e isso só se tornou padrão nos anos 1950, por motivos comerciais (sim, queriam vender lâminas). Não tem nada a ver com limpeza e não é uma recomendação médica (ao contrario, médicos alertam mais para cuidados que devem ser tomados na hora da depilação).

Pelo em ovo?

Tanta coisa importante acontecendo e a gente aqui falando de pelo? Pois é. Mas se não fosse um tabu gigante ainda, as mulheres que não se depilam não seriam chamadas de sujas (e, muitas vezes, repito, pelas próprias mulheres).

Estranho é que ainda seja tabu, tomara que, com o tempo, isso vire uma questão de escolha normal, tipo corte de cabelo. Quem quer ter cabelo comprido, tem. Quem quer ter cabelo curto, tem. Fim. Mas ainda não é assim.

Exemplos que mostram que, apesar de serem pelinhos pequenos, o tabu é gigante. Selecionei um engraçado. Madonna, que já posou exibindo pelos no sovaco, postou uma foto de feliz ano novo no instagram acompanhada por sua linda filha, Lourdes Maria. A legenda dizia: "Estamos prontas para você, 2018". Qual foi a repercussão? "Madonna posa com filha, Loudres Maria, com as axilas peludas", dizia um dos títulos. Mas minha gente! Tinha tanta coisa a mais para comentar na foto, como, por exemplo, a beleza das duas.

O mesmo acontece sempre que uma jovem famosa exibe orgulhosa os pelos, como a atriz Bruna Linzmeyer, que já o fez mais de uma vez e sempre foi esculachada.

Os sommeliers aparecem revoltadíssimos e atacam. Mas parece que esses (e essas) vão ter que se acostumar. Pesquisa divulgada pela revista Teen Vogue mostra que 25% das meninas millenials estão parando de se depilar.

Graças a elas, ter ou não axilas ou virilhas depiladas deve virar um assunto de gosto, tipo ter cabelo comprido. Vamos torcer.

PS.: Não que isso importe, mas não tenho a coragem de meninas como Maria Flor ou Bruna (as admiro). Também não acho que seja caso de higiene. Do alto dos meus 40 e muitos, continuo fazendo o que sempre fiz, evitando as dores da depilação e raspando porque é mais prático.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.