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Nina Lemos

Desastrados e distraídos: somos caóticos, mas não somos loucos

Nina Lemos

17/08/2018 04h00

Foto: Getty Images

Eu sou uma pessoa desastrada e distraída. Isso quer dizer que: porto manchas nas pernas de lugares onde bati (e nunca sei quais são), não sei onde guardei documentos e compro sempre óculos baratos (porque sei que vou perder).

Sou assim desde que nasci, faz 47 anos. Um amigo, que com certeza gostava muito de mim, dizia que eu era distraída porque "pensava em coisas mais importantes." Devo admitir que já usei essa frase várias vezes, com toda sua arrogância.

Nós, distraídos e desastrados, já fomos, inclusive, estudados por Freud. Segundo ele, somos, de certa forma, narcisistas. Claro! A gente se acha importante e especial demais para lembrar de coisas como: guardar o passaporte em um lugar adequado. Falando em passaporte, o meu já foi encontrado dentro da máquina de lavar. Sim, ele estava em um bolso e foi "lavado". A boa notícia é que ele sobreviveu, o que comprova a qualidade do papel do documento brasileiro.

Nós, os desastrados e distraídos, somos constantemente motivo de piada. Em muitos casos, como no do passaporte, com razão. Então, melhor rir da gente mesmo. A maioria dos desastrados e distraídos que conheço são como eu: praticamente palhaços de si mesmo, o que também é uma neurose, chamada "histrionismo". Mas, neuróticos, somos todos. Quer dizer, melhor ser, porque se você não for neurótico vai ser algo pior, tipo pisicótico.

Distração tem cura? Freud acreditava que sim e que ela poderia vir com a psicanálise.

Sendo distraída e desastrada em 47 anos, e depois de 20 anos de análise, posso dizer que melhorei. Não me curei, claro. Mas quando eu quero não ser desastrada eu consigo. Aí que começam os problemas. Quem acredita?

Somos culpados por todas a chaves perdidas, todas as portas não trancadas, todo leite derramado. E, escuta, muitas vezes não fomos nós! Sim, porque quando queremos não ser distraídos ou desastrados a gente consegue (eu, pelo menos, adquiri essa capacidade com o tempo).

Como eu sou desastrada e distraída, já fui culpada por coisas absurdas, como causar uma infiltração em um prédio de 1800. Chequei com o encanador. A culpa não era minha, ele garantiu. Mas quem disse que acreditaram?

Aí que começam os problemas e a gente começa a parar de achar graça por ser desastrada e distraída.

Gente, que fique claro, somos desastrados e distraídos mas não somos loucos! Nem bobos.

Um conselho para os outros desastrados e distraídos. Nessas horas, é preciso parar de rir de si mesmo, de fazer piada e ser auto-palhaço e falar sério. Não fui eu. Eu sei fazer. Eu sou capaz. Eu não sou maluca. Eu não sou criança.

Vale lembrar (para a gente e para as pessoas) que a gente consegue sobreviver por muito tempo sem causar danos, que não matamos ninguém, que não cometemos crimes (no meu caso tenho certeza, no de vocês, espero!), entregamos nossos trabalhos no prazo, pagamos nossos boletos (apesar de algumas vezes atrasados).

Se você é amiga/amigo, parente, namorado, namorada, marido, esposa de um desastrado(a), entenda. Você pode, claro, rir da gente. É engraçado mesmo. Pensem que viemos com isso, a comédia como bônus. Mas não nos culpem de coisas que não fizemos! E nem de coisas que fizemos (porque em geral elas são contra nós mesmos!).

Eu, por exemplo, aprendi com o tempo a não me culpar quando perco algo porque… eu já vou me ferrar. Além de morrer em uma grana, perder algo que gosto etc., ainda vou me culpar? Eu, heim, claro que não!

E por isso, repito. Sou desastrada. Mas não sou boba.

Dizem, inclusive, que distraídos venceremos e que o acaso nos protege quando andamos distraídos. Sim, devemos ter mesmo proteção especial. Mas acho que não é isso. Somos protegidos porque não somos desastrados o tempo todo, nem malucos, entendam! Desastrados e distraídos do mundo, uni-vos!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.