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Nina Lemos

Um pesadelo: ficar de TPM no meio da hecatombe eleitoral

Nina Lemos

24/10/2018 04h00

Foto: Walterson Rosa/Framephoto/Estadão Conteúdo

Se não bastasse o Brasil estar com síndrome de HPE (hecatombe pré-eleitoral), em um dos momentos mais sérios da nossa história recente, nós, mulheres, ainda temos um problema extra. Podemos dar azar. E estar com TPM justamente neste momento.

Já vivi muitas eleições e, juro, nunca houve coisa assim. Nunca tinha visto candidato falando em limpar o país de pessoas que discordam dele, destruir jornal, mandar adversários saírem do país ou se prepararem para serem presos. Isso aconteceu domingo, em um discurso do candidato Jair Bolsonaro na Avenida Paulista.

Também nunca houve tanta briga, ódio e ameaça, seja na rua, nos grupos de WhatsApp de família, no Facebook.

E nossos hormônios, bem, eles são como o trabalho e os boletos: não dão pausa porque o seu país ficou louco. Eles continuam agindo e contribuindo para que fiquemos mais sensíveis, mal humoradas e intempestivas. Junte TPM com HPE, queridas. Estou nessa. Não desejo para ninguém. Acordei faz duas horas e já:

1) Briguei no grupo da cidade onde nasci. Dei uma de Ciro Gomes (o da imitação do Marcelo Adnet, se não viram, vejam, é imperdível) e praticamente saí chamando as pessoas de "protofascistas".

2) Saí do grupo. Pensei em denunciar a página como discurso de ódio, o que causaria um escândalo na cidade, imagina se a página dos moradores é banida? Eu nunca mais poderia voltar lá. A parte racional que existe em mim conseguiu controlar esse impulso. Ufa!

3) Tive um ataque de choro por sair do grupo.

E agora estou proibida por mim mesma de emitir opinião política até que a TPM acabe. Tem quem acredite que o horror eleitoral acabe no domingo, mas eu não sei, não.

Enquanto isso, entro em delírio de pavor, acho que meus amigos serão presos, choro pensando que serei presa na fila de imigração do Galeão quando for visitar a família (pelo simples fato de escrever coisas como esse texto.) Tenho que me controlar, a cada ataque a gay que vejo na internet, para não ligar para todos os meus amigos gays (são centenas) e gritar: "fujam! Fujam!"

Penso em ligar para a minha mãe, que tem 77 anos, e nunca pertenceu a nenhum partido (nem nunca foi ameaçada de nada) e a convencê-la a pedir asilo político na Alemanha.

Do Brasil, amigos avisam que também não é assim, que eu posso ficar calma. Até que um diz: "Ontem saí de vermelho e ficaram atirando coisas na gente". Como assim, atirando coisas?

"Ué, lixo", responde uma amiga, como se isso fosse o óbvio.

"Isso não está acontecendo. Eu estou exagerando tudo porque estou com TPM", repito para mim umas 100 vezes. Mas um diabinho diz no meu ouvido: "Vai ver você nem está. Vai ver você só está lúcida". Socorro! Me acordem só na segunda (e tragam chocolate).

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.