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Nina Lemos

Chamar luta das mulheres de “coitadismo” é insulto à nossa força

Nina Lemos

26/10/2018 04h00

Foto: Getty Imags

"Tudo é coitadismo. Coitado do negro, coitado da mulher, coitado do gay, coitado do nordestino, coitado do piauiense. Vamos acabar com isso". A frase foi dita pelo canditado à presidência Jair Bolsonaro (PSL) essa semana. "Coitadismo". Lutamos por direitos iguais porque nos fazemos de coitadas. Sério?

O pior é que a ideia de que é "vitimismo" querer ganhar o mesmo que os homens ou não ser assassinada pelos próprios parceiros, só para citar algumas das causas pelas quais lutamos, atinge vários fãs do candidato (inclusive as moças). Quando passei três dias em uma página de mulheres que apoiam Bolsonaro para escrever um texto para esse blog, vi muito disso. "Não preciso de feminismo, mulher guerreira de verdade vai lá e ganha o mesmo que os homens. Elas se fazem de coitadas". Ah, certo.

No Brasil, segundo o IBGE, mulheres estudam mais, mas, mesmo assim, ganham no geral, menos 23,5% do que os homens. Reclamar disso é se fazer de coitada? Pergunto novamente.

Escuta, a maioria dessas mulheres estudou ao mesmo tempo em que cuidava da casa, dos filhos. Estudaram "apesar dos empecilhos". E, falando nisso, é realmente "coitadismo" achar que os homens precisam dividir as tarefas com suas parceiras? Por que não deveriam? Porque eles, sim, são tratados como "tadinhos que não conseguem" (até mesmo por muitas mulheres)!

Exigir licença maternidade justa para que se possa cuidar dos filhos (que têm pai) sem ser demitida quando voltar ao trabalho é se fazer de coitada? Ah, e para lembrar, em países admirados como Alemanha, Holanda, Suécia, a licença maternidade chega a três anos e pode (e muitas vezes é) dividida com os pais.

As mulheres desses países que lutaram para que isso acontecesse são coitadas ou lutadoras?

Números assustadores

Quando vamos para as ruas (e lutamos todos os dias, nas coisas pequenas também) somos coitadas ou corajosas?

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de feminicídios no Brasil chega a 4,3 para cada 100 mil mulheres. O país é o sétimo do mundo que mais mata mulheres.  No Brasil, a cada hora, 503 mulheres são vítimas de agressão física, de acordo com pesquisa feita pelo Datafolha. O número de estupros registrados é de cerca de 600 por dia (isso os que são denunciados). São índices alarmantes, que chocam o mundo todo. Ser mulher no Brasil é perigoso.

Lutar para que não sejamos mortas, que nossas amigas ou filhas não apanhem pode ser chamado de "coitadismo"?

Em várias cidades do Brasil, mulheres têm que andar no chamado "vagão rosa", para que não sejam assediadas. Por quê? Por que os "coitadinhos" dos homens não conseguem se controlar?

Chamar a luta feminina de "coitadismo" é ofensivo. Respeitem a nossa força (ela é enorme).

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.