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Nina Lemos

Pelo fim da obrigação de gostar (e ficar feliz) nas festas de fim de ano

Nina Lemos

24/12/2018 12h09

Crédito: iStock Images

Acho que a última vez em que eu realmente gostei de Natal foi quando eu ganhei uma boneca chamada bebê engatinhando (que na verdade mal engatinhava, mais parecia uma bebê com problemas nas articulações). Nessa fase, aquela em que a gente acreditava em Papai Noel, "eu era feliz (e ninguém estava morto)", como diria o Pessoa, e o Natal era realmente incrível.

Cresci. Passei a não gostar nem de Natal, nem de Ano-Novo. Ou seja, eu virei uma pessoa normal. Sim, grande parte da população sente o mesmo que eu: só a chegada do fim do ano já nos causa angústia.

Por décadas, briguei contra o fato de simplesmente não gostar das festas de fim de ano. Eu tentei gostar, o que é a coisa mais idiota que você pode fazer. Sim, quando você se força a ficar feliz acontece o seguinte. Primeiro: você não fica. Segundo: você fica com raiva por não ter conseguindo ficar feliz. E passa a se achar uma pessoa esquisita.

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Sim, grande parte da raça humana também se sente triste nesta época do ano, mas como a maioria também finge que está feliz, nós, que não estamos, começamos a achar que tem alguma coisa errada com a gente. E estou falando de antes do Instagram…

Hoje, esse sentimento de não pertencimento foi multiplicado por 20000. Todas as famílias são perfeitas nas fotos, toda a alegria parece maravilhosa, todos os famosos vão para Noronha, Trancoso e ficam jogando aquelas praias e aquelas festas (sem trilha sonora, porque a música deve ser horrível) na nossa cara.  Caímos feito idiotas. Achamos que todos estão felizes. Lembre: não estão. Você não é o único. Não existe o milagre natalino de todos os problemas desaparecerem e todo mundo ficar feliz ao mesmo tempo numa data, acordem! Existe, sim, a pressão principalmente da gente.

Pânico em Copacabana

Por anos da minha vida, tentei gostar de festas de Ano-Novo. Isso significa que, mesmo fóbica, com síndrome de pânico, já passei vários Réveillons em Copacabana. Sério, não pode existir nada pior para uma pessoa com fobia de multidão do que passar o Ano-Novo em uma multidão com fogos. Como eu fazia isso comigo?

Foram anos de festas longe de casa, onde eu não poderia voltar na hora em que queria (outra coisa que faz um fóbico passar mal só de imaginar). Eu acreditava que TINHA QUE ME DIVERTIR. Não, ninguém me falava isso, era eu mesma. Realidade: a única hora em que ficava feliz era quando chegava em casa. Sério. Eu saía de casa já pensando como seria ótimo na hora em que eu voltasse. Uma louca.

Mas, espera, eu tenho boas notícias. Depois dos 40, tudo isso passou. Não, eu não passei a gostar de Natal e Ano-Novo. Mas parei de me obrigar a tentar gostar. Passei a encarar como dias meio normais. Isso não significa que a minha angústia de fim de ano tenha sumido — não sumiu. Mas hoje me permito fazer o que quero. Até ficar doente. Passei o Natal passado com uma crise de enxaqueca na cama. De pijama. Até ri da situação.

No Ano-Novo é pior, ainda sinto, sim, certa pressão para fazer algo incrível. Mas tenho melhorado.

E aquele clichê de que quando você não cria expectativa tudo melhora é verdade. Esse ano decidi que vou, sim, a uma festa de Ano-Novo. Mas sabe por quê? Porque eu quero! Sim, quando a gente para de se obrigar a gostar, até pode gostar (se é que vocês me entendem). Sim, o ser humano é louco (ainda mais no fim do ano).

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.