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Nina Lemos

Caso Jean Wyllys prova: esferas mais altas do poder são a quinta série

Nina Lemos

29/01/2019 04h00

(Foto: Reprodução TV UOL)

"Quando ele andava até o plenário, era comum ser chamado por outros deputados de viadinho, queima rosca, bicha louca… Ele evitava usar o banheiro compartilhado porque era só entrar para começar a ouvir piadinhas dos machões." O cara que não conseguia andar no corredor é o deputado Jean Wyllys, que anunciou semana passada a decisão de deixar o país depois de seguidas ameaças de morte. E quem contou isso foi seu ex assessor de imprensa, Márcio Anastácio, em depoimento publicado no site dos "Jornalistas Livres".

Sim, parece um relato do que acontece em uma escola na quinta-série, mas é no parlamento brasileiro, um lugar que deveria ser sério e ocupado não por moleques de 11 anos, mas por adultos.

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Talvez a comparação com escola seja até injusta. Fazer piada com gay era normal na minha escola nos anos 80, mais de 30 anos atrás. Hoje, as coisas mudaram. Famosos assumem abertamente sua orientação sexual e tem beijo gay até na novela das oito. A gente espera que o clima nas escolas esteja bem melhor…

Mas no Parlamento, no Twitter, no Senado…As piadas não podiam ser mais infantis: "viado", "queima rosca", "bichona", "vai tomar no cu".

Não tenho nenhum amigo gay que passe por isso no trabalho em 2019. Será que vivo em um mundo paralelo, o do jornalismo, onde a homofobia pelo menos é mais disfarçada?

Será que no Brasil real ainda estamos no nível "queima rosca" de desenvolvimento?

Noite do terror

Nós, brasileiros comuns que não trabalhamos com política, tivemos noção do quanto a Câmara era um ginásio formado por uma imensa turma do fundão na noite em que foi votado o impeachment de Dilma Roussef. Teve festa, corinho, fantasia. Uma loucura. E tudo acabou com o hoje presidente Jair Bolsonaro homenageando um torturador, xingando Jean, e levando um cuspe do então deputado. Xingar? Cuspir? Naquela noite, o ambiente estava mais para pré-primário…

No dia em que Jean anunciou sua saída, seus "inimigos da escola" (ops, do parlamento) comemoraram sua mudança no Twitter. "Boa viagem, vá com deus", escreveu o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Podia ser mais quinta série?

O deputado que ocupará a vaga de Jean no parlamento é David Miranda, também gay assumido, casado, pai de dois filhos. David tem tudo para virar a Geni (joga pedra nela!) do ambiente e ser alvo de bulliyng. Por isso, dias depois de saber que ocuparia o lugar de Jean anunciou para a "Folha de S. Paulo":"Vou ter paciência, mas vão ter momentos que vou mandar tomar no cu. Venho do Jacarezinho, e se esses caras quiserem enfrentamento vão saber que vou levar a favela."

Espera, para conseguir respeito é preciso "mandar tomar no cu", falar palavrão, ou, em outras palavras, "ser macho?" Se não xingar, toma bulyling na escola?

O quanto evoluímos? Ainda estamos em 1981, na quinta série B? Tudo isso deveria servir pelo menos para os "alunos" sentarem no cantinho para pensar.

 

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.