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Nina Lemos

Youtuber com anorexia é criticada e mostra o perigo das redes para meninas

Nina Lemos

02/08/2019 04h00

Eugenia se deu conta do problema de saúde: e seus seguidores? (Arquivo Pessoal)

Você sabe quem é Eugenia Cooney? Eu também não sabia, até uma leitora me avisar, chocada com o fato de uma influencer ser adorada (e também odiada)  principalmente por exibir seu corpo anoréxico no Youtube e no Instagram. Eugenia é um ícone fashion e uma influencer das mais conhecidas no mundo. Seu canal tem mais de 2 milhões de inscritos e ela coleciona fã-clubes na internet.

O motivo pode assustar: ela é conhecida como a "youtuber mais magra do mundo" e é ídola de adolescentes e de uma cena  que existe, sim, nas redes sociais: a "pro ana". Significa, literalmente, meninas que são anoréxicas, ou seja, doentes de verdade, e trocam elogios em uma espécie de competição bizarra por magreza e elogios sobre a aparência supermagra, mas supermagra mesmo, daquelas que deixa os ossos à mostra. Elas estão gravemente doentes. 

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Eugênia tem milhares de seguidores. E, em janeiro, depois de postar uma foto visivelmente doente, anoréxica em estado terminal (ela pesava, então, 23 kg) ganhou elogios. "Você está linda". "Nossa, como essa roupa fica boa no seu corpo". "Adorei o look". Atenção: a foto é de uma menina perto da morte. Todo o seu feed do Instagram é chocante. As imagens assustam, assim como os comentários, muitos de adolescentes que desejam ter o corpo como o dela. Outras, comentam que também são magras. "Eu peso 28 kg, tenho 12 anos", diz uma fã. Sim, uma menina de 12 anos está sendo exposta a esse tipo de conteúdo. Alguns dizem que ela precisa de ajuda. Outros, deixam a compaixão de lado e dizem em tom ameaçador: "você vai morrer!" 

Luz no fim do túnel?

A boa notícia (no meio do horror que é uma menina ser modelo para outras em todo o mundo por ser anoréxica) é que ela está tentando se curar e finalmente admitiu a doença. 

O youtuber Shane Dawson fez um filme de uma hora sobre Eugenia, que rapidamente virou o mais visto do mundo desde que foi postado, faz uma semana. 

O  vídeo-documentário mostra o início de sua jornada em busca da cura. Com direito a muitas imagens chocantes dela se exibindo doente nas redes sociais, dele entrando em sua casa para anunciar que ela precisava se tratar. É dolorido. Chocante. Mas alerta para o problema das desordens alimentares. O documentário mostra também o relacionamento com sua mãe, que parece não entender que tem algo de realmente errado com sua filha. Em alguns dos vídeos do canal em que ela aparece extremamente doente, a mãe participa, ajuda a vestir a filha e se orgulha do quanto ela é linda.

"Eu não achava que eu estava doente, que tinha algo errado com meu peso. Fiquei surpresa. Os médicos também, acharam que eu podia estar tendo sintomas sérios", ela diz no vídeo. Sem usar a palavra anorexia, mas deixando claro que esteve em um hospital "cuidando do seu problema").

O caso de Eugenia (esperamos mesmo que ela se recupere e que seu vídeo ajude outras meninas com o distúrbio) serve de alerta para várias coisas.

 O Youtube e o Instagram deveriam exibir imagens de meninas que podem influenciar negativamente outras? Há tempos o Instagram baniu o uso de hashtags que fazem propaganda da anorexia. Mas isso é o suficiente?

Vídeos de sucesso podem passar a impressão para adolescentes de que ser muito magra é um "case" de sucesso, já que você ganha seguidores, fama e atenção? E aí?

Fato. As redes sociais são extremamente nocivas para a auto-imagem dos jovens, principalmente das meninas. Uma pesquisa feita pela "Royal Society of Public Health" da Inglaterra provou que o Instagram é a rede que tem mais  impacto negativo para os jovens. E principalmente para as meninas. Entre as entrevistadas, 9 entre dez meninas declararam que a rede alterava negativamente a percepção corporal que elas tinham sobre elas mesmas (as entrevistadas tinham entre 14 e 24 anos).

Como muitos fãs dizem em sua página, Eugenia está, sim, ainda doente, em recuperação. Mas olhando para toda a história, a doente não é só ela, certo? Mas uma sociedade que ainda deixa que esse tipo de aconteça. 

Sim, existem videos de empoderamento, de meninas que ajudam outras a lidarem com transtornos alimentares e muitos conteúdos bons na internet. Mas existe uma parte pode da banda, que ou se omite (ei, empresas, vocês são responsáveis sim) ou joga pedra em pessoas doentes.

Eugenia pode, sim, se recuperar. Já a  sociedade de que ela é vítima… tenho minhas dúvidas.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.