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Nina Lemos

Piada? Angela Merkel é exemplo mundial de como mulher pode ser respeitada

Nina Lemos

12/08/2019 04h00

"A Angela Merkel está tremendo porque ela tem medo do nosso presidente Trump." Essa frase foi dita semana passada pelo vice-presidente, General Mourão.

Bem, Merkel não tem medo algum do Trump. Por que teria? Por que é mulher? A chanceler é famosa inclusive por peitar o presidente dos Estados Unidos. Uma foto em que ela o fita com uma cara de : "você pare com isso, que estou sem paciência" rodou o mundo e virou meme , como você pode ver acima. 

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Muito chato ver o vice presidente fazendo piada de mau gosto com doença de uma das mulheres mais poderosas do mundo, certo?

Mas eu trago boas novas. Essa piada jamais seria feita na Alemanha, onde Angela Merkel, 65 anos, é respeitada por todos, até por seus mais ferrenhos oponentes. Respeito que conquistou porque merece. E que devia servir de exemplo de como todas as mulheres do mundo (poderosas ou não) deveriam ser tratadas. Ela só não é respeitada por grupos de extrema direita que flertam com o nazismo. Mas, bem, essas pessoas não respeitam ninguém, certo?

Merkel, entre junho e julho, apresentou episódios de tremores em público, o que causou preocupação no mundo todo. Afinal, ela é a mulher mais poderosa do ocidente. Ou a do mundo, segundo a revista "Forbes". Agora, piada? Bem, não na Alemanha, nem na Europa. Afinal, como se faz piada com um possível problema de saúde de alguém? Não importa se é homem, se é mulher, de qual partido ou ideologia. Se alguém tem sintoma de algo, a gente não ri. E muito menos faz piadinha machista do tipo "tá com medo."

Mas, vamos continuar com as boas notícias, que podem nos dar esperanças e inspirar o mundo a tratar mulheres (e seres humano em geral) do jeito correto.

Quando a chanceler Angela Merkel, de 65 anos, começou a apresentar publicamente tremores, obviamente a população alemã e a mídia ficaram preocupadas com a saúde da líder. Mas ninguém riu. Ninguém fez piada. Bem, parece óbvio, né? A gente não deve rir da doença de ninguém, nunca! Merkel também não foi chamada de fraca, de velha ou de louca. O debate que acontece é outro: devemos ter respeito pela privacidade da Chanceler ou, se ela tem um problema grave, a população deve ser informada por se tratar da maior autoridade do país?

Bem, por enquanto, a privacidade de Merkel venceu. Ela declarou: "Este processo ainda não terminou claramente, mas há progressos e tenho de viver com isto por algum tempo. Mas estou muito bem e não têm de se preocupar comigo", disse a chanceler. Ela disse ainda estar plenamente capaz de cumprir suas obrigações. Por enquanto, foi o suficiente. Merkel tem trabalhado normalmente e todo mundo voltou a falar de outros assuntos. 

Isso porque,  pasmem, as pessoas acreditaram nela! Sim, acreditaram em uma mulher, olha que coisa louca! As especulações diminuíram.Vida que segue.

Sei que parece ridículo ter que escrever que não é legal  fazer piada com a doença dos outros, que isso não é problema nosso e que todos devem ser respeitados. Mas, enfim, estamos vivendo tempos loucos, em que um vice-presidente de um país dá esse tipo de declaração, pessoas comemoram mortes de crianças ou fazem "piada" com mãe de jornalista com câncer. 

Sim,  aconteceu com a mãe do jornalista Glenn Greenwald, que tem câncer e teve que vir ao Facebook explicar para as pessoas que estava realmente doente. O vereador Carlos Bolsonaro, inclusive, respondeu a um comentário de Greenwald no Twitter assim: "é a sua mãe!". Sim. Uma mãe doente. Lamentável. 

Mas voltemos às boas notícias. Não é só no episódio dos tremores que Merkel é respeitada. Nesses 13 anos e meio em que é chanceler, Merkel não costuma:

  1. Ser  chamada de louca
  2. Ser chamada de feia
  3. E olha, ela nunca foi chamada de vadia, fria ou mal comida.

O único apelido que ela tem é "mutti", que significa "mãe", ou seja,  pode ser irônico, mas não é ofensivo. Vez ou outra, aparecem alguns comentários sobre as suas roupas, mas isso é cada vez mais raro. 

Além disso, sua vida privada é respeitada. Ela é casada com um doutor em química, assim como ela, desde 95. Frau Doktor Merkel (senhora doutora, como  é conhecida) não tem filhos (e não é acusada de nada por isso), mas dois enteados. Seu marido é discreto, quase nunca aparece. E olha, ele também não é chamado de "viado" ou de "fraco" por ser casado com a mulher mais poderosa do mundo. Ele é um professor, que tem seu trabalho, continua dando suas aulas. 

Respeite uma chefe mulher!

O respeito à privacidade do casal devia servir de exemplo para todos, até para quem está perto da gente no dia-a-dia.  Sabe a chefona do trabalho, que é dura, porque, afinal, ela é a chefona e tem mil responsabilidades? Ela não precisa (e não pode) ser chamada de "mal comida", de "durona", ou de "fria", inclusive porque, sabemos, homens também podem ser durões em posições de comando, com a diferença que não escutam esse tipo de coisa.

Se ela é alvo de "mansplanning"? Provavelmente sim, mas pelo jeito resolve dando uma de suas famosas viradas de olhos, aquela que ela deu para Trump e Vladimir Putin, presidente russo, e também virou meme.

 Ah, falando nisso, Merkel tem tanto "medo" do Trump que, no dia de sua posse, não foi, ao menos assistiu pela TV. Ela preferiu passar o dia em um museu assistindo a uma exposição de arte, dando assim um recado bem claro do quanto "se importava" com um presidente que é abertamente machista. 

Merkel, infelizmente, vai se aposentar em 2021. E não é por causa da doença, é porque ela decidiu. Ela quer. Sim, mulheres também têm querer. Vai ficar como exemplo de uma  mulher que foi respeitada e assim continuará sendo, mesmo por quem não tem afinidade política com ela. Que sirva de exemplo. Para nós, mulheres, e para os homens também, claro. Afinal, sim, não vamos parar de ocupar posições de comando. E merecemos o mesmo tipo de tratamento de todos. Só por esses exemplos já valeu, Frau Doktor Merkel!

 

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.