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Nina Lemos

"Você está falando da sua mãe". Deixe as mães fora disso, Bolsonaro!

Nina Lemos

20/01/2020 04h00

Os gritos do presidente Jair Bolsonaro com os colegas jornalistas que trabalham em Brasília já viraram uma triste rotina. As pessoas estão ali, trabalhando, e ouvem coisas do estilo: "você tem uma cara de homossexual terrível." "Para você eu não respondo, você trabalha para um jornal mentiroso." Ele chegou, inclusive, a mandar uma repórter da Folha "calar a boca" essa semana.

Atacar mulheres ou supostos gays parece ser mais fácil. Prova disso:  o presidente tem respondido a perguntas das quais não gosta da seguinte maneira. "Pede o recibo para o seu pai e para a sua mãe!". Essa semana, ele voltou a colocar a mãe de jornalista no meio. 

O diálogo foi o seguinte (o assunto eram as denúncias de conflito de interesses dentro da Assessoria de Comunicação do Governo). 

Repórter: "O senhor sabia dos contratos do Fabio Wajngarten [chefe da Secretaria de Comunicação], presidente?",

Jair Bolsonaro: "Você está falando da tua mãe?".

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Como?  Ele disse mesmo isso? Pois disse.

Presidente, o senhor, que preza tanto a família, devia deixar nossas mães fora disso. Sim, jornalista também tem mãe. Além de preocuparem com os filhos (mãe de jornalista sofre: além de saber que os filhos correm riscos e "pegam friagem" em frente ao Planalto, agora elas podem ser surpreendidas vendo os filhos e filhas serem ofendidos pelo presidente em rede nacional). Para piorar tudo, elas também passaram a ser ofendidas? 

O hábito de xingar a mãe remonta a escola e aos campos de futebol. Nesses ambientes de meninos,  nada pode ser mais ofensivo do que xingar a mãe. Tanto que os nossos maiores xingamentos são os famosos "filhos da puta", também substituído por "filho da mãe."

Se já é deplorável ver esse xingamento em estádios de futebol e escolas é, claro, assustador ver que isso chegou na mais alta esfera de poder do país.

Na maioria dos casos, ofender a mãe é uma prática de macho. Você xinga a mãe, depois leva um soco. E, pelo menos na escola era assim, o menino que bateu respondia: "mas ele falou da minha mãe. Da minha mãe, não!".

Claro que mães não devem ser santificadas. Mães são mulheres normais. Mas elas são pessoas que precisam ser respeitadas.

Mães criam filhos. Muitas delas, totalmente sozinhas. Existem, segundo o IBGE, cerca de 11,6 milhões de famílias no Brasil onde mães moram sozinhas com os filho. E o que acontece com elas de volta? São xingadas, mesmo sem estar presentes, mesmo sem ter nada a ver com o assunto. 

Mães criam filhos para o mundo. Depois que crescemos, elas não são mais responsáveis pelos nossos atos. Mesmo se o filho estivesse errado (e, nesses casos, ao exercer sua profissão eles, de fato, não estão), as mães não têm nada a ver com isso. Elas criaram, educaram, alimentaram. E jogaram para o mundo. A solução seria um jornalista responder xingando a mãe do presidente? Claro que não. A mãe do presidente também não tem nada a ver com isso. 

Um pedido, presidente: poupe, ao menos, as mães, que já têm problemas demais nessa vida. Cazuza dizia que "só as mães são felizes". Do jeito que as coisas andam… nem elas.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.