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Nina Lemos

Bolsonaro reclama de não poder fazer piada, mas o que ele faz é bullying!

Nina Lemos

09/03/2020 04h00

Reprodução

"Falou que o cara pesa oito arrobas, não pode. Aquela polêmica toda! Criticou a mulher! Criticou gay! Não dá para continuar assim! Estamos perdendo o direito de fazer piada no Brasil. Tudo agora tem que ser politicamente correto. Temos que pensar, será que vou ofender as gordinhas? Vou ser chamado de gordofóbico, está chato viver no país desse jeito!"

Essa reclamação foi feita pelo presidente Jair Bolsonaro em sua live semanal de quinta-feira. Esse recado era especial para nós, jornalistas, comentaristas, blogueiras, essas pessoas chatas, que prestam atenção no que os outros dizem, principalmente quando esse alguém é o presidente da república e, quando é o caso, criticam.  

 

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Essa declaração foi feita na mesma semana em que o presidente levou o humorista Carioca para distribuir bananas para jornalistas. "Falaram que era desrespeito", ele disse, na mesma live.

Pois é, presidente Bolsonaro, a gente não entende piada que é contra uma categoria profissional. Nós (e todas as pessoas sensatas do mundo) chamamos isso de desrespeito. Jogar bananas a jornalistas é um desrespeito contra a democracia. Não é engraçado! É ataque. Queria mesmo que a gente risse?

Mas em uma coisa, concordamos, sim, o Brasil está chato. Mais que chato, está deprimente. É muito chato mesmo ver jornalistas sendo tratados todos os dias desse jeito. É muito chato ter um presidente da república que faz piada sobre quilombolas falando que eles pesam não sei quantas arroubas. 

Na mesma live, o presidente disse que era heterossexual, e que, nos dias de hoje, ser heterossexual era uma qualidade. Era para ser uma piada? Se era, não teve graça. Ser hétero não é, de jeito algum, qualidade. E o que o presidente quis dizer? Que atualmente todo mundo é gay? E se for? Não tem graça falar isso em um dos países em que mais morrem homossexuais no mundo. Assim como não tem graça a gente já ter ouvido do presidente que "O Brasil não seria o país do mundo gay ". Nem quando ele disse que um jornalista tinha uma cara de homossexual terrível.

Também não teve a menor graça o ataque feito ao presidente à jornalista Patrícia Campos Mello, uma "brincadeira" sobre querer "dar o furo".  É sério que o presidente acha que assédio a uma profissional é piada? Ele esperava que a gente risse?

Piadas desse tipo nem são piadas. São assédio, homofobia, machismo, racismo e incitação ao ódio. O presidente do Brasil, que já teve a relação com a França abalada depois de "piadas" contra a aparência da esposa do presidente francês, provavelmente nunca aprenda isso. Mas, o efeito é ainda mais danoso. Nós, chatos, estamos há anos tentando convencer os outros de que não tem graça fazer piada com cor, raça, aparência física etc etc, que humilhar o outro não tem graça e é inaceitável. 

Agora, aqueles que achavam engraçado rir de piada de viado, de gorda, de baranga, mas tinham parado, pois sabiam que pegava mal, estão mais encorajados do que nunca. Afinal, se até o presidente faz..

Deve estar difícil para professoras do pré primário convencer os alunos de quatro anos que não se pode chamar o colega de viado, por exemplo, ou rir dos mais gordinhos. Mas nós, os chatos, vamos continuar repetido: uma coisa é piada, outra coisa é bullying…

 

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.