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Nina Lemos

Pugliesi: depois do coronavírus, nada será como antes para as influencers

Nina Lemos

28/04/2020 04h00

Reprodução/Instagram

No final de semana passado, a influencer Gabriela Pugliesi causou escândalo, perdeu patrocínio e teve que pedir desculpas. Motivo: contrariou as orientações da Organização Mundial de Saúde e resolveu dar uma festa. Convidou amigos. Pediu comida. Serviu bebidas. E, empolgada, fez o que sempre faz: postou vídeos em redes sociais, rostos colados, clima de alegria. Alguns de seus convidados também fizeram o mesmo. "Claro, estamos felizes, estamos na casa da Pugliesi, temos que compartilhar! De tão animada, uma hora ela deu um grito: "f#da-se a vida!".

Detalhe: ela mesma já teve Covid-19 – o casamento da sua irmã, no começo de março foi um dos primeiros grandes focos da doença no Brasil. Durante seu período de contaminação, aliás, Gabriela narrou diariamente seus sintomas e pediu sempre orações aos seus seguidores.

A chuva de críticas foi tão forte que ontem à noite, Gabriela tomou uma atitude, até então, impensável: desativou sua conta no Instagram. O marido, Erasmo Viana, fez o mesmo.

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Bem, São Paulo está no auge da epidemia de Coronavírus. Como todo mundo sabe, não podemos fazer festas. Estamos, a maioria de nós, sem encontrar amigos e até mesmo os nossos pais. Os hospitais estão perto de um colapso. O "f#da-se a vida" da blogueira soou como um: "vocês que se danem". 

Gabriela, que é blogueira de "saúde e estilo de vida" e tem mais de quatro milhões seguidores, furou a quarentena. E, o mais absurdo: mostrou isso para todo mundo. Ela poderia ter dado a festa (o que seria MUITO errado e em alguns países ela seria multada ou até presa) e ninguém ficar sabendo. Mas, claro, tem que postar e fotografar. Afinal, "se eu não postei, não aconteceu". 

O caso é emblemático e mostra que alguns influencers ainda não entenderam que a vida deles mudou. A nossa também mudou, claro. Mas essas são pessoas que vivem basicamente de ostentar seu estilo de vida, cheio de festas, viagens, selfies com rosto colado, eventos milionários. A profissão deles é mostrar que eles têm uma vida maravilhosa e nos causar inveja. Ou era. Até que chegou o coronavírus. 

Festas glamourosas, super fotografadas e postadas em redes sociais, não devem acontecer antes de existir uma vacina, o que especialistas de todo mundo dizem que não vai acontecer esse ano. Com muito otimismo, quem sabe ano que vem. Então não existe previsão para que um evento reúna tipo mil pessoas, não é seguro. A época pede distância social, então, você não vai poder fazer festa de turma ou com a BFF.

Acabou. 

Viagens, uma das chaves da vida de influencers, também estão canceladas. Casamento em Itacaré? Festa em Trancoso? Não por um longo tempo  São poucas as companhias voando e uma das indústrias mais afetadas pela crise é a de turismo. Sabe aquelas viagens com hotel de graça, classe executiva e pratos de comida sofisticados que influencers costumavam postar? Pois bem, isso é passado. Nenhuma empresa vai organizar uma viagem dessas para "convidados" até que exista uma vacina (e acesso a ela), o que, repito, deve demorar. 

Crise existencial 

Gabriela não é a única a expor a crise de existencial do mercado de influencers no meio da pandemia. A americana Arielle Charnas, também influencer de lifestyle e vida saudável, se deu quase tão mal como Gabriela. Primeiro, ela fez uma live de quando era testada, para um milhão de pessoas. Recebeu críticas, ainda mais porque furou a fila. Quando testou positivo, foi para os Hamptons, o paraíso dos milionários americanos, uma espécie de Trancoso deles. Postou fotos abraçando os filhos e também foi criticada e perdeu patrocínios porque.. bem, não estava fazendo o que era para ser feito. Burlou as regras e as orientações do governador do estado de Nova York, onde ela mora, que pediu para que ninguém viajasse ou saísse de casa – ainda mais alguém que sabe que está infectado. 

Elas não são as únicas. No mundo todo, famosos foram duramente criticados por viajar para suas casas de campos (o que em alguns países está proibido) e postar fotos de quarentenas glamourosas.

O que era "bacana" antes, como ser vip, expor luxos e badalações agora pega muito mal. Mais que isso: é inaceitável. Afinal, milhares de pessoas estão morrendo, outras tantas estão perdendo seus empregos e a crise é mundial.

"É o fim do mundo tal qual o conhecíamos". E, no caso dos influencers, talvez isso não seja ruim. Você já não estava cansada de ver gente vivendo uma vida "perfeita", com viagens que você nunca poderá fazer e tirando selfies de rostinho colado em festas para qual você nunca será convidada?

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.