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Nina Lemos

Modelos denunciam racismo no moda: meio sempre foi racista e tem que mudar

Nina Lemos

09/06/2020 04h00

A modelo Thayna dos Santos fez denúncias sobre racismo na moda Reprodução: Instagram

Parece que estamos finalmente colocando as cartas na mesa, expondo feridas e falando sobre racismo na sociedade brasileira. Na toadas desse momento, algumas modelos levantaram um assunto muito importante e urgente: o racismo no mundo da moda.

Modelos negras, como Thayná Santos, Natasha Soares, Diara Rosa, entre muitas outras, passaram a compartilhar histórias de racismo que já sofreram no meio. Thayná, uma das primeiras a compartilhas as denúncias, contou suas próprias experiências traumáticas e partilhou relatos, que incluem receber cachês mais baixos do que as modelos brancas, serem descartadas de desfiles e distratadas. Ela deu a cara para bater. "Precisamos dar os nomes", ela disse.  

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E deram nome mesmo. As modelos acusam os estilistas Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho de racismo. Segundo a modelo Diara Rosa, Gloria Coelho chegou a pegar seu "composit" (espécie de álbum de fotos da modelo) e jogar no chão.  Ela e outras modelos, denunciaram também críticas e deboches de fotógrafos, produtores…

Ontem, em uma live emocionante com Paulo Borges, criador da São Paulo Fashion Week, a modelo Natasha Soares, chorando, contou que após denunciar os casos de racismo, ela e outras modelos estão sofrendo tentativa de silenciamento. Segundo Natasha, alguns dos acusados ligaram para suas agências pressionando para que elas não falem mais.

Passarela "branca"

É muito importante que essas mulheres corajosas façam esse trabalho de denúncia (se expondo) para mudar as coisas. Principalmente porque o racismo no mundo da moda, para quem acompanha esse meio, nunca foi segredo. Ele sempre esteve lá. "Negra não vende revista" é uma frase que era usada com certa normalidade até o fim dos anos 2000 em redações. Quem já trabalhou com moda sabe disso. 

Eu estava lá, em 2008, cobrindo São Paulo Fashion Week para a Folha de S. Paulo. Meu editor, Alcino Leite Neto, então novato nos desfiles, foi ficando cada vez mais chocado com o fato da maioria do desfile ter, em sua totalidade, apenas modelos brancas. Muitas loiras, olhos azuis. Parecia mesmo que estávamos em uma semana de moda da escandinávia. Totalmente fora da realidade brasileira. Por cobrir moda há um certo tempo e ser branca, confesso que olhava para a passarela e achava que aquilo era normal(!). Era o que era.  A gente se acostuma. Perde a capacidade de enxergar.

Na mesma época, movimentos negros passaram a fazer protestos contra racismo na porta do evento. Poucos levavam a sério. Depois de nos mandar cobrir os eventos, Alcino nos deu uma missão. A equipe, da qual orgulhosamente fiz parte, com meus amigos Vivian Whiteman, Victor Angelo, Camila Yhan e Eva Joory, passou a publicar diariamente uma coluna chamada "passarela branca". Contávamos quantas modelos negras tinham por desfile. Os números, lembro, eram chocantes. Tinha marca que, de um casting de 30, tinha duas modelos negras. Outras, nem isso. 

Na época, publicamos várias matérias sobre o tema. Meses depois, o Ministério Público, baseado nas reportagens, criou um comitê para investigar o assunto e decidiu que a partir de então 10% das modelos deveriam ser negras. Senão, a marca seria multada. Uma pequena mudança. Muito pequena. Mas conto isso para vocês saberem que antes não era nem isso. 

 E, agora, segundo os depoimentos das modelos, alguns estilistas não respeitaram nessa pequena cota. Sendo que esse número de 10%, claro, é ridículo. "Se somos 55% da população porque não é obrigado que 55% das modelos sejam negras?", perguntou Natasha na live para Paulo Borges. Depois, propôs que ele e modelos negras sentassem juntos para arrumar um jeito de incluir de VERDADE diversidade racial no evento. 

Que bom que essas mulheres começaram a falar. Que elas continuem a ser ouvidas. E que as coisas mudem verdadeiramente, e não só na fachada. 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.