Topo

Nina Lemos

Corona App: aplicativo alemão que rastreia contaminados assusta e vicia

Nina Lemos

07/07/2020 04h00

Crédito: VidorHsu/ iStock

Sabe aqueles aplicativos de encontro que mostram para quem são os boys que estão na sua redondeza? Bem, nesses tempos estranhos, me apeguei a um aplicativo parecido, mas com finalidade diferente. E com encontro indesejado. Trata-se do Corona Warn App, um aplicativo de mapeamento de Coronavírus lançado pelo governo da Alemanha, onde moro.

O "Corona App" (como o chamo carinhosamente) é considerado um dos melhores do gênero do mundo e foi lançado em junho. O aplicativo basicamente me segue por onde eu ande. Pelo menos esse é meu sentimento há duas semanas, quando instalei o aplicativo no celular. 

Veja também

Nota importante: a curva na Alemanha foi achatada e desde o início de maio o comércio está aberto e os passeios, liberados. Bares, clubes, cinemas e teatros seguem fechados. Mas a população já pode  "se mover" com relativa segurança.

Mas como funciona o app? Basicamente, o aplicativo faz com que seu telefone se comunique por bluetooth com outros celulares de usuários que também baixaram o app. Se um deles tiver coronavírus, ele deve colocar essa informação ali. E quem tiver cruzado com ele nos 14 dias anteriores será avisado. 

O aplicativo consegue calcular  (e, sim, "isso é muito Black Mirror") o tempo e a distância que você passou perto da pessoa que comunicou estar infectada para te dar o aviso.

Conhecendo o "infectado x"

Foi assim que cerca de dez dias depois de ter instalado o aplicativo, dei uma checada de noite e estava escrito lá: "1 exposição." Gritei olhando para a tela. Mostrei para meu marido. Liguei para amigos. Tive taquicardia e não contei para a minha mãe (que vai saber de tal fato lendo esse texto). Mas, pelo jeito, não corro grande risco. 

Explico. Sim, eu encontrei com alguém que foi infectado. Mas o aplicativo mostra qual é a sua taxa de risco. Quando o instalei, ela era baixa (nenhum encontro com o vírus). Depois do encontro com o tal "infectado x", o risco continuava igual: baixo, luz verde! E, para explicar, estava escrito o mesmo texto de quando eu comecei a usar o aplicativo: "Você tem um risco baixo de infecção porque não foi exposto a alguém que depois foi diagnosticado com coronavírus ou porque seu contato foi muito rápido e de uma boa distância".

Ou seja, meu encontro com a pessoa foi rápido ou distante. Espero, na verdade, que tenha sido as duas coisas, com todo respeito ao "Infectado X" que, na verdade, é uma pessoa incrível, tanto que foi lá e registrou no aplicativo que estava com o vírus para que as pessoas que cruzassem com ele fossem informadas.

Nunca saberei quem é o (a) "Infectado(a) X". Isso porque o governo garante (e eu acredito, em parte) que toda a sua privacidade ali é protegida. A pessoa é identificada como "exposição". Onde encontrei? Que horas? Nenhuma ideia.

Mas nada me impediu de, como acontece com os encontros anônimos em geral, passar a fantasiar sobre a tal "exposição" e sobre onde a gente se cruzou e sobre como ele (ou ela) seria. "Acho que foi no metrô", digo para uma amiga. E logo me justifico super culpada: "Eu estava de máscara! E fiquei em pé". Também acho que pode ser um passante com quem eu cruzei na rua. E, por isso, passei a falar para os amigos mais do que já falo que a gente deve usar máscara sempre (na Alemanha, o uso só é obrigatório dentro de comércios e transporte público).

Já faz uma semana que recebi o aviso e continuo sentindo cheiro de tudo e não apresento nenhum sintoma. Mas, claro, não vejo a hora que chegue a segunda semana e a exposição (com todo respeito ao Infectado X) desapareça do meu telefone.

Mania de perseguição

Nada relacionado ao aplicativo é obrigatório. Você só baixa se quiser e só informa que foi diagnosticado se quiser. Mas o governo implora que todas as pessoas baixem, porque, segundo eles, essa pode ser uma arma importante de combate a pandemia.

Mais de 15 milhões de pessoas na Alemanha já baixaram o aplicativo, o que é um número que nem os mais otimistas esperavam, já que esse é um país onde a obsessão por proteção da privacidade é enorme. 

Entre amigos que moram aqui, sinto que os que menos propensos a baixar o aplicativo são aqueles que se expõem muito, ou seja, saem bastante. Eles têm medo de baixar e "criar paranóia."

Entendo. Saio pouquíssimo desde que foi liberado.

Mas, mesmo assim, outro dia fiz várias "loucuras" para os meus padrões em tempos de pandemia. Ou seja, encontrei três amigos e peguei metrô e ônibus. Quando cheguei em casa, comentei: "Que medo, amanhã meu app vai explodir".

Não. Com a graça da distância social, meu risco continua baixo. Mas essa é outra utilidade do app, ele funciona como superego (pelo menos no meu caso) e faz com que você pense ainda mais antes de sair para "não levar susto do aplicativo." 

Quanto à privacidade, sinceramente, não ligo. Tenho conta no Instagram, no Google, Facebook e Twitter. Eles já "roubam" meus dados. Se for para vender tudo sobre mim por uma boa causa, sem problemas! Por mim, podem levar tudo o que quiserem. Se for para ajudar a controlar a pandemia, está valendo!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.