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Nina Lemos

Adolescente morta por amiga: isolamento + armas é a mistura de perigos

Nina Lemos

15/07/2020 04h00

iStock

Na noite de domingo, a estudante Isabele Guimarães Ramos, de 14 anos, passava a tarde na casa de uma amiga em Cuiabá (MT).  A amiga resolveu mexer, de brincadeira nas armas, do pai. Um tiro, disparado acidentalmente pela uma amiga da mesma idade, acertou Isabele. A jovem morreu no local.  

A história é apavorante. Por causa da arma, uma menina morreu e outra vai carregar uma culpa e um trauma para o resto da vida. A garota que atirou deve ter morrido um pouco ali também. 

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Ao ler essa notícia é difícil não se comover. O drama poderia ser com nossas filhas, filhas de amigas, sobrinhas (se os pais delas tiverem armas em casa, converse com eles!). E, lá no passado, poderia ter acontecido também com a gente. 

Quem, quando adolescente, nunca brincou com algo perigoso? 

Claro que não dá para culpar a amiga de Isabele pela morte. Ela também é vítima. Tudo isso não teria acontecido se seu pai não tivesse armas em casa. E ele tinha sete(!): uma em seu nome, quatro em processo de documentação junto ao exército e mais duas em nome de outra pessoa. 

Por que uma pessoa tem SETE armas em casa? Qual é a utilidade disso?

A morte de Isabele, além de nos deixar tristes e chocados, assusta e acende um alerta. As pessoas estão armadas como nunca no Brasil. Entre janeiro e junho de 2020 foram registradas  74 mil novas armas no país. Entre janeiro e abril deste ano, foram concedidas 1,2 mil autorizações de porte de arma para defesa pessoal. É o maior número já registrado neste período do ano, pelo menos desde 2009, quando começam os dados. Os dados foram coletados pela revista Piauí junto à polícia federal. 

Ao mesmo tempo em que o porte de armas aumenta, outro número assustador cresce: o de feminicídio, que aumentou 22% durante a quarentena. Sim, a epidemia do Coronavírus trouxe junto o aumento da violência doméstica. 

Em abril, números indicavam que a polícia atendeu 40% mais casos do que no mesmo período do ano passado. O coquetel mortífero é esse: mais armas, crise econômica (muita gente perdendo emprego, abusando de álcool) e mais gente violenta presa em casa = mais mulheres assassinadas. Apavorante. 

Pode piorar

O futuro parece reservar mais armas e mais riscos. Isso porque a flexibilização do porte de armas foi uma das principais bandeiras do presidente Jair Bolsonaro quando foi eleito. 

Ele já aprovou vários decretos sobre o tema e ainda não flexibilizou mais porque encontra resistência no congresso e no Senado. Mas promete fazer mais.

Semana passada, no dia em que o país registrava o número de 66 mil mortos por COVID-19, um grupo de cidadãos resolveu protestar em Brasília pedindo mais armas. Entre eles, estava o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente, que é tão fanático por armas que furou os balões do chá de revelação da sua futura filha com tiros de espingarda.

Mas..  existe esperança. Por mais que o presidentes e seus filhos façam arminhas com as mãos e toda e qualquer foto, a maioria da população do país não aprova uma maior flexibilização das armas. Segundo pesquisa do Datafolha feita em 2019, 66 % da população era contra cidadãos portarem armas e 70% achavam que a lei brasileira não devia ser relaxada.

Nem tudo está perdido.  

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.