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Nina Lemos

Anitta, Paola Carosella, Pugliesi, será que o cancelamento existe de fato?

Nina Lemos

28/07/2020 04h00

Reprodução Instagram

 

Cultura do cancelamento. Além de coronavírus, novo normal e tudo mais relacionado à pandemia, talvez essa seja uma das expressões do ano. A tal cultura do cancelamento foi parar na Veja e no New York Times. Intelectuais do mundo inteiro se debruçam sobre o tema. 

Se você não sabe do que estou falando, cancelamento, ou cancelar, é uma expressão comum para quem frequenta as redes sociais, principalmente o Twitter. Em geral, acontece quando uma pessoa fala alguma coisa polêmica ou têm atitudes consideradas inaceitáveis. Essa pessoa então é "cancelada", o que significaria "banida". Sim, o termo é estranho e não concordo com ele. Afinal, pessoas não são cartões de crédito que a gente liga e cancela. Já escrevi sobre isso aqui.

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Para dar um exemplo, Anitta é "cancelada" várias vezes por ano. A influencer Gabriela Pugliesi foi cancelada quando deu uma festa no começo da pandemia. 

Como lembra uma amiga, existem também os fãs, que sempre que ouvem alguma crítica ao seu ídolo começam a dizer: "não cancelem o fulano!"

Mas será que existe de fato cancelamento?

Bem, com a experiência de quem frequenta redes desde que elas existem, tenho concluído que não, o que inclusive é bom, já que pessoas, repito, não são cartões de crédito e, por isso, não podem ser canceladas. O que existe é crítica, às vezes muito pesada. E, muitas vezes, feita ao mesmo tempo por várias pessoas, o que configura ou uma crítica em massa ou um ataque –o que é chato para quem sofre e pode ser perigoso se agressivo (e, nesse caso, deve ser condenado, claro). Mas cancelamento?

A própria Gabriela Pugliesi já retomou seu perfil no Instagram. E Anitta, bem, s o fato de ela ser cancelada várias vezes só mostra que ela não é cancelada, né?

Nesta semana, para dar outro exemplo, muitas pessoas passaram a criticar a chef Paola Carosella. Isso significa que ela foi cancelada? Felizmente, não! Minha aposta é que, na semana que vem (ou antes disso), quem falou dela já mudou de assunto. 

Não estou falando que as redes não trouxeram comportamentos que são perigosos.

Opa. Trouxeram e muitos.

Um deles é julgar uma pessoa sem provas, o tal tribunal da internet. É complicado mesmo. Afinal, não somos juízes para determinar se alguém é culpado (e ainda decidir qual é a pena). Ninguém pode ser considerado culpado sem ser julgado. Existe a presunção de inocência. Mas, infelizmente, o tribunal da internet não é novidade. Se deve ser combatido? Óbvio.

E, claro, existem as ameaças, ataques racistas, haters, ofensas, e todos esses outros comportamentos horríveis que o anonimato na internet trouxe e que, infelizmente, não são novidade. Esses comportamentos devem ser combatidos e lamentados sempre, já que estão na categoria dos crimes. Não vamos misturar isso com "cancelamento".

Intrigas de intelectuais

Hater, ameaça, tribunal da internet… Nada disso é novo. Talvez por isso esteja na moda discutir "cultura do cancelamento". A expressão saiu das redes, onde, muitas vezes, o termo é usado com humor e ironia (exemplo, será que vão me cancelar por causa desse texto?) e foi parar entre os intelectuais.

Neste mês, intelectuais e escritores de vertentes diferentes publicaram uma carta na revista Harper's contra a cultura do cancelamento. A carta gerou outra carta e vários artigos de debates. Basicamente, várias pessoas passaram a "se cancelar" discutindo a cultura do cancelamento. 

Ah, um detalhe. No passado, lá muito antes de existir internet, também havia um comportamento parecido. O nome era patrulha ideológica. O assunto gerou muito debate e também "intrigas de intelectuais"… lá nos anos 1970!

O que acho mesmo é que, depois de pensar muito sobre cancelamentos, só consegui lembrar de um que de fato aconteceu no Brasil nos últimos anos: o do ator José Mayer. No caso dele, como nos de outros dois cancelados de quem me lembrei –Jeffrey Epstein e Harvey Weinstein–, eles não eram pessoas que deram bola fora, mas que foram acusados de assédio.  

E, se Mayer, Epstein e Harvey foram cancelados, não consigo achar que isso seja ruim. Atenção, as denúncias contra eles foram apuradas. No caso de Epstein e Harvey, eles eram criminosos que foram julgados.

Se você está com medo da cultura de cancelamento, relaxe. A internet continua a mesma coisa, com ataques, ódios e questionamentos que podem até ser bons. Tudo misturado.  

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.