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Nina Lemos

Kate Winslet se desculpa por filmes com Polanski e Woody Allen. Precisava?

Universa

15/09/2020 04h00

Os dois são diretores de cinema geniais, mas são, também, acusados de abuso. Woody Allen é acusado de ter estuprado sua filha adotiva, Dylan Farrow, quando ela tinha sete anos. Roman Polanski foi indiciado nos Estados Unidos em 1977 pelo estupro de uma menina de 15 anos. Ele foi acusado mais duas vezes, em 2017 por crimes que teriam acontecido nos anos 70. 

A atriz Kate Winslet já trabalhou com os dois. Com Polanski, em 2011. Com Woody, em 2017. Até aí, normal, muitas grandes atrizes também já fizeram filmes com eles. A novidade é que Kate, em entrevista à revista "Vanity Fair", fez um longo "mea culpa" por já ter trabalhado com eles. 

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"Eu tenho que assumir a responsabilidade com o fato de que eu trabalhei com os dois", disse a atriz. "Não posso voltar no tempo, então tenho que lidar com essa dor", completou. Ela disse ainda que em muitos momentos se pega pensando no fato de ter trabalhado com os diretores, ou seja, se culpando. 

Homens acusados de abuso existem em todas as profissões, infelizmente. Pode sim, acontecer que a gente trabalhe com um deles. Todas que já trabalhamos muito e com pessoas diferentes já vimos, no mínimo, homens adotando atitudes suspeitas em relação a mulheres. Podemos decidir não trabalhar mais com eles, alertar outras mulheres, temos mil opções para lidar com isso. Agora, se culpar?

Já vi mulheres se desculparem pelo abuso dos maridos (e não, elas não têm culpa disso!), agora, vamos nos desculpar também pelo que as pessoas com quem trabalhamos fizeram? No caso, se os dois diretores são de fato abusadores (eles negam), ela deveria é se sentir aliviada por não ter sido, ela, outra vítima.

Kate não é a primeira a pedir desculpas por ter trabalhado com Woody Allen. Em 2018, Mira Sorvino escreveu uma carta aberta para Dylan Farrow dizendo que estava "terrivelmente arrependida". 

Mira Sorvino foi uma das maiores vítimas do produtor Harvey Weinstein. Em depoimento à reportagem que desmascarou o produtor, ela conta uma história pavorosa de abuso e de como teve sua carreira destruída depois de dizer não para o então poderoso diretor.

É possível que depois de fazer a denúncia, ela tenha se sentido com o peso da responsabilidade de ser contra todos os abusos. Faz todo sentido. Mas longe de ser culpada. Muito menos por ter feito um filme em 1995! 

As denúncias de abuso crescem em todas as áreas. E isso é ótimo. Tomara que todos os abusadores sejam denunciados. Mas vamos esperar que não haja, junto a isso, sempre uma leva de mulheres pedindo desculpas por já ter trabalhado, ter sido amiga ou casada com o abusador. Não fomos nós que cometemos o crime. E, no caso, se escapam ilesas, somos sobreviventes, isso sim. Levar a culpa dos outros, eu, hein! 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.