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"Mulher traída apanha, mas volta": frase do deputado Waldir é inaceitável

Nina Lemos

18/10/2019 18h12

Pedro Ladeira/FolhaPress

"Nós somos que nem mulher traída. Apanha, mas volta para o seu aconchego." A frase foi dita pelo deputado delegado Waldir, do PSL, para explicar sua briga com o presidente Jair Bolsonaro (ele diz, em um áudio, que iria "implodir" o presidente). A crise política não nos interessa aqui. Mas a frase inicial, dita não só por um congressista, mas por um delegado de polícia, vejam bem.

Alguns estão chamando a frase de "comparação infeliz". É pior que isso: é uma afronta. Digo, sem risco de exagero, que, em qualquer país "normal", um policial e congressista que dissesse uma coisa dessas teria que se explicar com a população, sobre risco de perder seu emprego público (sim, ele deve contas à população).

Segundo o pensamento do delegado, a vida é assim: a mulher gosta de sofrer. Depois de ser traída, ela apanha. Mas, como não consegue ficar longe do seu homem, aquele "maravilhoso", ela volta. E assim segue a vida. Esse ciclo, descrito pelo deputado, mata. E não, isso não é o "normal". De jeito nenhum. É doença.

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O Brasil, como é sabido, é um país com índices alarmantes de violência doméstica. Uma mulher é agredida no país a cada quatro minutos. E os números de feminicídio só crescem. Seis mulheres sofrem tentativa de feminicídio por dia, segundo dados desse ano.  

E se você fizer o exercício de digitar mulher morta no Google, vai ter uma ideia do momento da epidemia de violência que estamos vivendo.  É um inferno. Diariamente, mulheres são mortas das formas mais cruéis.

Muitas das mulheres, para falar o óbvio, têm medo de ir até uma delegacia para denunciar. Além da vergonha e da situação de risco (imagina se o parceiro descobre!), um dos medos é chegar na polícia  e ser agredida de novo e tratada com falta de empatia. Agora, imaginem a situação: uma mulher apanhou do marido. Chega para depor na delegacia. E ouve do delegado: "ah, mas você logo volta para o seu aconchego, isso é normal."  

Não sei se o delegado Waldir sabe (como delegado, deveria saber), mas mulheres que insistem em ficar com parceiros que já praticam violência doméstica são as que mais têm risco de serem mortas, ou de morrer por doenças físicas ou psicológicas, segundo apontou uma pesquisa do Ministério da Saúde.

Na mesma entrevista, Delegado Waldir disse também que ele mesmo "às vezes agia pelo calor da emoção". Talvez ele use esse argumento para justificar sua fala em que autoriza violência contra a mulher. Não vai colar. No tal "calor da emoção" saem declarações que mostram o que pensamos, não?

Anos 50 perde

E, olhando as declarações dos integrantes do PSL, uma coisa é certa, eles podem brigar, discordar…Mas a maioria deles concorda em uma coisa: o machismo, o jeito de tratar as mulheres e uma mentalidade anos 50 (ou pior). Essa não é primeira (nem deve ser a última vez) que integrantes do partido incitam violência e desrespeito contra mulheres. 

O próprio presidente, como se sabe, é famoso no mundo todo por ter dito para sua então colega Maria do Rosário que ela "não merecia ser estuprada." 

Ele também causou escândalo ao falar que estrangeiros que quisessem vir ao Brasil fazer sexo com mulheres deveriam "se sentir à vontade", ignorando (e estimulando) o seríssimo problema do turismo para exploração sexual de crianças e adolescentes.

Bolsonaro também adora fazer metáforas usando casamento e relacionamentos, uma espécie de obsessão. Ele já disse, por exemplo, que a Amazônia era uma virgem que todo tarado queria "deflorar".

O pensamento dessa turma parece ser o de que, nós, mulheres, somos bens, coisas subjugadas. Na maioria das vezes, essas falas são "apenas" machistas. Mas, em alguns casos, como a do delegado Waldir, o caso é sério. A gente não merece essas afrontas…E muito menos as mulheres que são vítimas de violência.

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.