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Nina Lemos

Meia hora no Instagram basta para a mulher ter vergonha do próprio corpo

Nina Lemos

20/09/2017 04h00

(Ilustração: Getty Images)

Passar meia hora olhando fotos no Instagram é o suficiente para que uma mulher sinta raiva e vergonha do seu corpo. Não sou eu que estou dizendo, mas um estudo divulgado pela "Butterfly Foundation", o maior instituto contra desordens alimentares da Austrália. A pesquisa concluiu que, quanto mais as mulheres olhavam perfis de musas fitness, com menor auto-estima corporal elas ficavam. Não fiquei surpresa.

Claro que é fácil começar a achar defeitos em si mesma depois de ver imagens de corpos mega esculpidos, barrigas negativas e um estilo de vida cheio de #foco e #determinação.

Mas vou além.

No que depender de mim (e da maioria das pessoas que conheço), 30 minutos vendo o Instagram de gente com casa impecável (#homeSweetHome), trabalho perfeito (#IloveMyJob) e familia "perfeita" são suficientes para que eu comece a me sentir perdedora e a achar que minha vida está toda errada.

Claro que é só imagem. Claro que aquelas vidas não são perfeitas. A gente sabe disso. Mas na prática, depois de poucos minutos vendo essas vidas todas bem arrumadas e editadas, o peito aperta e uma voz começa a berrar na minha cabeça: "infeliz, perdedora!".

Não sou só eu. Lembro de uma amiga que mora na Suíça e vivia comparando sua vida com a dos amigos no Brasil (e sim, o país já estava em crise). "Todos lá estão ótimos, felizes", ela dizia. "Como você sabe?", eu perguntava. "Ah, eu vi no Instagram". Lembrei para a minha amiga que todos os amigos do Brasil deviam olhar as fotos dela e pensar o mesmo: "ela que é feliz, vive na Suíça e tem filhos lindos". A grama do vizinho é mais verde, ainda mais que tem o filtro Amaro.

A vida é uma cafeteria quebrada

Enquanto escrevia esse texto, resolvi checar o Instagram. Em uma segunda-feira de manhã, no meu feed, que mistura amigos e celebridades, as pessoas já tinham corrido vários quilômetros, tomado café da manhã em mesas bem arranjadas com porcelanas lindas. Algumas tinham recebido flores.

Enquanto isso, eu acordei correndo e atrasada. Fiz café com uma amiga e a alça da cafeteria quebrou. Tivemos que tirar o café do fogão com duas mãos, envolto em um pano de prato. Assim é a vida real: feia, caótica e improvisada. Mas no Instagram as cafeteiras são todas lindas e italianas. As canecas são novas e têm inscrições como "seja grato, bom dia".

No caso do mal causado por ver imagens de musas fitness, a associação Butterfly criou um movimento para que mulheres postem fotos de seus corpos normais com a tag: "IloveMybody", contando o que gostam em seu corpo.

No caso do mal causado pela perfeição da vida, poderíamos começar a postar fotos de coisas dando errado com a tag #somosTodosPerdedores.

Mas será que cola? Será que conseguimos parar o efeito bola de neve de:

  1. ver o Instagram dos outros e se sentir um lixo.
  2. postar uma foto maravilhosa para mostrar que não somos um lixo?Eu sei, eu poderia apenas parar de olhar. Mas quem disse que eu consigo? Quem disse que largar droga é assim tão fácil? Só me resta repetir o mantra: "Não é vida, é Instagram. Não é vida, é Instagram".  Isso vale para o corpo, as casas, as famílias perfeitas, as cafeteiras e as canecas…

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.