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Nina Lemos

Hollywood é aqui: temos muito em comum com as vítimas de Harvey Weinstein

Nina Lemos

17/10/2017 13h26

O produtor Harvey Weinstein, acusado de assédio sexual por várias atrizes de Hollywood (Foto: AFP)

 

O mundo está chocado com as denúncias de assédio sexual em Hollywood. Nós, brasileiras, sentimos muito por elas e entendemos sua luta. Mas para a gente, na real, não existe nenhuma novidade nisso. Olhamos para as notícias sobre o produtor Harvey Weinstein e lembramos de histórias que aconteceram com amigas ou conosco. Nos reconhecemos nos relatos de abusos, de chantagens e de assédios.

Relembrando: desde a semana passada, uma avalanche de denúncias contra o poderoso Weinstein apareceu em Hollywood, causando um dos maiores escândalos do meio cinematográfico da história. Entre as mulheres que afirmaram terem sido assediadas estão estrelas como Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Cara Delevigne. Ashley Judd, uma das primeiras atrizes a fazer a denúncia, disse: "há muito tempo as mulheres falam sobre isso entre si."

Não é diferente no Brasil. As conversas sobre assédio no trabalho são comuns. Papo de bar e banheiro feminino faz tempo. Conversei com algumas mulheres que conheço, que trabalham em agências de publicidade e emissoras de TV e ouvi várias histórias.

"Há alguns anos estava filmando um comercial com um diretor muito famoso. Ele me assediou durante o trabalho inteiro. Em certa hora, disse que tinha reservado um hotel de cinco estrelas para nós dois. Eu, obviamente, me recusei a ir. Conclusão: ele nunca mais me chamou para um trabalho e continua aí, sendo premiado. Não sei se mudou".

O depoimento poderia ser de uma atriz de Hollywood, mas ouvi isso da Luciana*, uma figurinista brasileira.

Tapa na bunda

Algumas pensam em denunciar e até tentam. Caso da Adriana*, produtora de TV.

"Consegui um emprego na rede de televisão que era o meu sonho. Com pouco mais de um mês de trabalho, andando no corredor ao lado do meu diretor e falando algo descontraído, mas de trabalho, ele me deu um tapa na bunda. Fui correndo para o banheiro chorar e fiquei com medo de ficar sozinha com ele de novo. Eu me calei e me culpei por isso. Estava no período de experiência, não queria perder o emprego. Meses depois encontrei outro diretor importante em um restaurante e ele ficava me chamando de 'loirinha' de um jeito nojento. Um dia, meu chefe, esse que me deu um tapa na bunda, me ligou e disse: 'estou tentando fechar um negócio com o diretor X, mas ele disse que só topa se a loirinha for na reunião. Você sabe quem é a loirinha, né?' Fiquei escandalizada"

O caso continua "secreto", apesar de Adriana ter tentado conversar com o RH e de os comentários sobre o tal diretor, segundo ela, serem comuns entre mulheres nos corredores da emissora.

Sem rede de apoio

"Isso é muito comum em agências de publicidades. É um assunto que sempre rola nas rodas de mulheres", diz Adriana*, redatora. Segundo ela, a situação é pior para sua geração, de 40 e poucos anos. "Nunca tivemos uma rede de proteção para denunciar os casos. Sempre comentamos entre nós. Isso foi quase normalizado".

"Meu chefe me chamou para uma reunião a sós na sala dele. Perguntei qual era o motivo e ele disse que me imaginava vestida com uma roupa de couro estilo sadomasô. Voltei para a minha mesa e meses depois pedi demissão. Um colega me arrumou um emprego. Quando rolou, ele começou a me assediar. Minha vida se tornou um inferno. Contei a história na empresa. E depois isso fui demitida."

Chocante? Sim. E não, não é preciso olhar tão longe, lá para a indústria da cinema americano, para ficar em choque. O horror está aqui. E, o pior, isso faz parte das nossas vidas há muito tempo.

#SomosTodasAtrizesdeHollywood. E, nesse caso, não é apenas uma hashtag por solidariedade…

 

*Os verdadeiros nomes das mulheres ouvidas para este post não foram revelados a pedido delas. 

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.