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Nina Lemos

Para bloco dos desanimados, Carnaval é perrengue e felicidade falsa

Nina Lemos

09/02/2018 04h00

"Não consigo me animar. Tá todo mundo feliz. Mas não estou conseguindo". Recebi essa mensagem de socorro de uma amiga carioca semana passada, quando o Carnaval nem tinha começado oficialmente, mas as fotos de folia já inundavam toda a mídia, redes sociais, e, no caso dela, a rua onde mora.

Eu, carioca "doente do pé", já sofri desse mal várias vezes, e por isso entendi na hora. Minha amiga sofria da "culpa por não estar em pique de carnaval", um "problema classe média sofre" comum, já que não, não é possível que toda uma nação fique animada na mesma data (por mais que as imagens do Carnaval "em todo o Brasil" tentem nos provar o contrário e por mais que gringos de todo o mundo acreditem nisso).

Não, não é possível que todo mundo fique feliz porque alguém gritou: "Carnaval!". Ainda mais em um ano como esse, com crise, desemprego etc.

Por isso, enquanto milhares de pessoas estão "nas ruas de todo o Brasil" pulando, fantasiados, com saia de tutu, glitter, beijando muito e sendo super felizes (pelo menos é o que parece nas fotos), outras milhares estão em casas de todo o Brasil vendo as fotos e pensando "por que que eu não consigo me animar?" Ou "como essa gente aguenta?"

Esse blog ouviu alguma dessas pessoas que são malucas, desanimadas ou chatas" para mostrar que elas não são nada disso. Ou que se você não estiver animado, tudo bem. Se não gostar de Carnaval, venha cá, nos abrace. Acha que é meio estranho todo mundo estar deprimido semana retrasada e agora todos estarem subitamente felizes? Tudo bem, você não está sozinho. Sim, todo mundo pula carnaval se quiser. Mas se não quiser, tudo bem também. Afinal, ninguém tem que nada! Com a palavra, os ETs (que não são ETs coisa nenhuma, eles só não gostam, ou não querem. Nos deixem!

Inferno na Terra

"Não me culpo por não estar feliz em bloco de Carnaval porque não consigo ficar feliz perto. Na verdade, perto eu fico é triste. Já passei Carnaval na Sapucaí, em Salvador, em bloquinhos em São Paulo e é sempre a mesa história: perrengue para chegar, gente vomitando, furtos, gente melada esbarrando em você. Não pode mijar na rua, mas quem consegue se mexer? Ou seja, é o inferno na terra. Se isso deixa outros felizes, bom para eles. Celso Dossi, escritor

Fones de ouvido

"Não é não gostar. É não entender, eu tenho um sentimento meio de compaixão. Tipo, vocês fazem isso que eu não gosto muito mas depois posso fazer algumas coisas que vocês não gostem muito. Não entendo se fantasiar, não entendo por que unicórnio, mas eu entendo hoje em dia que, sei lá, eu que devo estar errada. Eu moro em Copacabana, no meio do Carnaval do Rio. Então, faço assim: compro muita comida, compro tampão de ouvido e fico sem sair de casa. O bom é que passa rápido." Rita Wainer, artista plástica

Saudades do túmulo do samba

"Eu não sou nada animada, moro em São Paulo e preferia quando aqui não tinha Carnaval. Me sinto um pouco culpada por não gostar. Fico pensando, será que não seria legal ir até lá, já que as pessoas parecem tão felizes? Fico vendo as fotos nas redes sociais e parece que o povo está se divertindo. Mas também sei que tudo parece melhor nas redes sociais. Esse ano vou ao bloco do Apego, organizado por uma amiga, então, vou experimentar. Mas não sei se vai dar certo não." Piky Candeias, produtora

Felicidade para o Instagram

"Fico 100% feliz de ser um idoso casado que no Carnaval gosta de ficar em casa ouvindo músicas tristes. Já passei Carnaval em Recife e gostei porque era outro rolê. Carnaval em São Paulo é gente cheia de glitter tirando foto para colocar no Instagram. Claro que tem um ou outro bloquinho legal, mas como tudo em São Paulo, lota. Acho que, na maioria das vezes, o Carnaval é uma felicidade do tipo 'olha como estou feliz, porra!'. Mas a pessoa nem está tão feliz assim. Se tivesse feliz não postava no Instagram." Ronaldo Bressane, escritor

Estranha no paraíso

"Sempre foi ruim para mim. E olha que já fui casada com um percussionista e morei na Cidade Alta de Olinda. Meio que esse perfil me obrigaria a ter malas de fantasia. Mas detesto. Não a música, não o povo na rua, não a alegria. Detesto ter que estar feliz mesmo que esteja todo mundo bêbado para isso. Não gosto da obrigação, dos blocos favoritos. Mas sou a estranha depressiva. E vivo assim há 46 anos." Neide Cavalcanti, publicitária

Depois de tudo isso você ainda se acha estranho por não gostar de Carnaval? Não, né? Se sim, repita o mantra: ninguém tem que nada!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.