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Nina Lemos

"Tenho medo, mas não penso nisso", diz diretora de filme sobre impeachment

Nina Lemos

23/02/2018 14h49

 

"Um filme histórico." "Brilhante, sublime." "Um marco do cinema brasileira". Esses são alguns dos termos que estão sendo usados para definir o filme "O Processo", da brasileira Maria Augusta Ramos, de 52 anos.

O filme em questão mostra um tema quente: o impeachment de Dilma Roussef, a primeira presidenta mulher eleita no Brasil, mostrado em detalhes, de dentro "do processo". Maria Augusta colou no então Ministro da Justiça Jose Eduardo Cardoso e teve acesso quase que completo aos bastidores da defesa da ex-presidenta. Ela entra no carro de Gleisi Hoffmann, mostra as longas noites de advogados traçando estratégias.

As exibições em Berlim são lotadas. Na plateia, brasileiros e pessoas do mundo inteiro assistem eletrizados momentos surreais e clássicos, como Janaina Paschoal balançando a constituição e a fatídica noite dos deputados dedicando votos a netos. Alguns espectadores brasileiros não aguentam olhar para a cara de alguns politicos denunciados por corrupção quietos. Um grito de "bandido" ecoa na sala na hora em que Aécio Neves aparece na tela.

Maria Augusta, pelo segundo dia seguido, é aplaudida de pé e vai para a frente do cinema lotado enxugando lágrimas. Responde perguntas de pessoas do mundo todo que agradecem ao seu filme e ao seu "retrato histórico."

"Se as pessoas acham que eu fiz algo histórico, que eu ajudei a enetnder um momento da história brasileira, fico muito grata. Isso mostra que consegui mostrar para elas um bom retrato de um momento importante da história do Brasil", ela diz, depois da segunda seção do filme, em um restaurante em Berlim.

Os dias têm sido intensos, assim como o filme. "O processo de fazê-lo, desde a decisão até filmar em Brasilia, sem parar, foi muito intenso, urgente e emocional. Eu precisei digerir aquilo tudo no processo de edição para fazer uma reflexão. Meu objetivo não era só documentar, mas refletir sobre os acontecimentos."

Foram mais de 349  horas de fita. "Quando estava no Senado, quando tinha acesso a eles, filmava tudo. Era a câmera ligada o tempo todo, tinha muita coisa acontecendo." Maria Augusta capta momentos de bastidores hilários-absurdos, como, por exemplo, Janaina Paschoal se deliciando com um Toddynho durante um intervalo da sua apaixonada defesa do impeachment.

Ela diz que gostaria, sim, de ter acesso ao "outro lado do processo"."Eu fiz um filme pela visão da esquerda. Não existe documentário isento. Mas gostaria, também, de ter tido acesso às reuniões do outro lado, dos que queriam o impeachment, para mostrar, mas não rolou, então, tudo bem. Esse é o filme que eu tenho."

"Não consegui autorização do Eduardo Cunha. Conseguimos para entrar no senado e tive acesso total a defesa da Dilma", conta.

Justiça

Maria Augusta nasceu em Brasilia, mas há mais de 20 anos se divide entre o Rio de Janeiro e Amstedam, na Holanda. Na hora do trabalho, gosta, mesmo de mostrar o Brasil. Para isso, escolheu mostrar pelo ambiente da justiça brasileira. Sua triologia "Juízo", "Justiça" e "Morro dos Prazeres" ganhou prêmios mundo a for a e abriu as portas para que ela filmasse "O Processo". "O José Eduardo Cardoso conhecia o meu trabalho, então, confiou."

Os temas escolhidos por Maria Augusta não são nada leves. Em Juizo, por exemplo, ela mostra o julgamento de vários menores infratores no Rio de Janeiro. É pesado.

Ela não faz drama ao contar sobre essas escolhas. "São as histórias que quero contar, o meu jeito de mostrar as relaçoes humanas".

Um dos seus filmes mais premiados, "Morro dos Prazeres", mostra a implementação das UPPs no morro homônimo no Rio de Janeiro.

"Você não tem medo?", eu pergunto, e me refiro aos temas,mas também sobre o tipo de reação que um filme como "O Processo" pode causar quando exibido no Brasil. "Claro que eu tenho medo. Mas eu não penso nisso. Se pensasse, não faria o meu trabalho."

"O Processo" será exibido no Brasil no documentário "É Tudo Verdade", em abril, e Maria Augusta deseja que entre em cartaz até agosto.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.