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Nina Lemos

Sofrimentos de madrasta: ser sempre figurante e não poder reclamar

Nina Lemos

27/02/2018 04h00

"Meu ex marido tem uma namorada. Meu filho até gosta dela". "Ela até que é boazinha." Vez ou outra vejo alguma amiga mãe no Facebook reclamando dos pais dos seus filhos e comentando sobre suas namoradas-companheiras. Também escuto amigas falando das atuais dos ex. O tom em geral é esse: de desprezo. Elas "até" que são legais. As mães "até" que "deixam" que elas sejam convidadas para a festinha.

E eu, madrasta serial, engulo em silêncio. Porque outra coisa que uma madrasta aprende logo é que ela deve ficar quieta: sobre a educação do filho dos outros, sobre o lado ruim  de ser  madrasta, sobre a ex, porque, afinal, ela é mãe das crianças etc. Não devemos nem fazer textão no Facebook. E também não existem grupos de Whatsapp de madrastas para desabafar.

Pois senta que hoje vou falar!

Já fui madrasta quatro vezes. No momento, sou de uma menina e um adolescente alemão. Eles são sensacionais. Mesmo. Mas eles não são meus filhos. O que significa que:

– Não posso me meter na educação deles.

-Não posso postar fotos deles em redes sociais me gabando.

-Se um dia me separar talvez nunca mais os veja.

-Não sou convidada para festinhas.

Escravagistas de crianças

"Ainda morro de ódio quando lembro que fui naquela festinha na escola", diz minha amiga. Ela está sendo má? Não. Festinha em escola pode ser um saco, principalmente se não é seu filho e você é uma madrasta e tem que ficar no cantinho. Minha amiga, como eu, foi madrasta muitas vezes, cuidou do filho dos outros, se preocupou e deu amor. E, como também aconteceu comigo, um dia o relacionamento acabou e ela nunca mais viu a criança. Legal, né?

Mas, bem, depois de anos como madrasta, uma coisa eu aprendi e posso dividir esse momento de sabedoria com vocês: eles não são meus filhos. E isso também pode ter vários pontos bons. Exemplo. Esse ano aconteceu um milagre e fui convidada para a apresentação de balé da minha enteada (que eu adoro). Mas eu não fui .

"Como assim? Será que eu sou a madrasta da Cinderela? Não, poxa, mas eu estava cheia de trabalho e, sinceramente: eu não preciso me matar de correr para ir ver uma peça de teatro de duas horas em alemão se ela não é minha filha. Ai, meu deus, será que eu sou uma madrasta má e egoísta? Juro que agora me culpei. Sim, madrasta não é mãe, mas também se culpa.

E tememos, claro, ser a madrasta dos contos de fada. Isso porque ainda tem essa, no passado éramos retratadas como escravagistas de crianças. "Ah, mas hoje as coisas mudaram", você diz. As madrastas hoje são bem encaradas na sociedade. Claro. E por isso… nunca somos protagonistas! Somos sempre um puxadinho. Será que é porque na vida, dentro de uma familia, a madrasta também raramente é protagonista?

E depois ser mãe é que é padecer no paraíso. Sim, temos que roubar ditados feitos para outros, porque não temos os nossos.

Por essas coisas todas: amiga mãe, se seu filho tem uma madrasta que seja legal com ele, por favor, olhe para ela como se ela fosse… uma pessoa! Sim, madrasta também é gente!

E, madrastas do mundo, uni-vos!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.