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Nina Lemos

Isabella Rossellini: demitida da Lancôme aos 43 anos e de volta aos 65

Nina Lemos

19/03/2018 09h59

Quando tinha 43 anos, a italiana Isabella Rossellini foi expulsa de um posto que ocupou por 12 anos. Ela foi demitida do emprego como "rosto" da Lancôme, uma das grifes de cosméticos mais importantes do mundo.

A atriz, que tinha um contrato exclusivo e a face estampada em anúncios e outdoors como "a cara" que representava a marca, sentiu que seria demitida quando fez 40 anos. "Eles foram muito gentis, mandaram flores, pensei: está chegando a hora." Dito e feito. "Falaram que precisavam de alguém mais jovem, que a pessoa que representava a marca era uma aspiração para as clientes, e que elas desejavam a juventude", declarou Isabella.

Agora: surpresa! Depois de 22 anos, aos 65, Isabella voltou a ser modelo da Lancôme.

A gigante dos produtos de beleza não fez isso por bondade, claro. Mas por pressão de um mercado que muda. A onda agora (pelo menos, uma parte pequena dela) é falar sobre ser "ageless" (atemporal).

Isso acontece por vários motivos, como o fato de as mulheres viverem mais e também de dizerem não a esses padrões de juventude eterna. Digamos que a marca, assim como muitas outras, viu-se obrigada a se adaptar a tempos mais inclusivos.

A palavra inclusiva, por sinal, chega a ser meio engraçada quando usada no caso de Isabella, branca, linda, rica, totalmente dentro do padrão de beleza. Mas ela passou dos 60, então, ela voltar ao mercado é um fato, sim, que merece ser comemorado.

Industria "antienvelhecimento"

É assustador ouvir as palavras de Isabella e pensar no absurdo da sua demissão aos 43 anos. Reflita: ela foi considerada velha demais para vender produtos de uma marca cara, que tem clientes que, no geral, tem poder aquisitivo para comprar um produto caríssimo para cuidar da pele. É preciso já estar um pouco estabelecido na vida, tipo trabalhando (e ganhando bem) para comprar um produto Lancôme. E as mulheres normais (digo, não modelos, não obcecadas por beleza), em geral, começavam com esses cuidados para a pele de verdade depois dos 30.

Uma das linhas mais importantes da Lancôme, inclusive, é a anti-aging. A tradução literal seria antienvelhecimento. Olha que louco: uma mulher é demitida do papel de vender um creme antienvelhecimento porque… envelheceu!

A manipulação que as marcas fazem com os clientes não poderia ficar mais exposta. A pele prometida, tenha você a idade que tenha, era (na maioria dos casos ainda é) representada pela de uma mulher de 30 anos. O que, na prática, significa que muitas mulheres de 50 anos compravam (e ainda compram) produtos sonhando em ter a pele de 30 anos da garota com o rosto estampado na caixa.

Todo mundo sabe. Não há creme anti-aging no mundo que impeça a passagem do tempo (nem os melhores filtros do Instagram). E muito menos pós mágicos que façam você parecer 20 anos mais jovem.

A consumidora parece cada vez cair mais na real (tomara). Prova é que outras mulheres de mais de 50, como Madonna e Jane Fonda, também estrelam campanhas de beleza. Tomara que isso não seja só a moda do momento. Tomara(mesmo) que consumidores e marcas tenham acordado para esse fato óbvio: o tempo passa. Para todos. E isso não precisa ser uma tragédia.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.