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Nina Lemos

Facebook é o novo cigarro e virou lugar de gente chata

Nina Lemos

23/03/2018 04h00

"Vocês um dia querem ter Facebook?" Fiz a pergunta para meus enteados (11 e 15 anos) e os dois me olharam como se eu estivesse perguntando se eles queriam uma assinatura da Enciclopédia Barsa. "Nãoooo", eles disseram, com aquela virada de olho dos adolescentes que significa: "Isso é coisa de velho, cruzes."

Meus enteados, como a maioria dos adolescentes que eu conheco, amam WhatsApp e Instagram, mas não têm a menor vontade de passar o dia todo "mudando uma planta de lugar", como cantava o Cazuza. Ou seja, nos dias de hoje, isso significa olhar uma foto ali, dar um like aqui. E perder horas no vazio.

Os jovens devem saber o que fazem. Fato. Antes dos escândalos de vazamento de dados do Facebook (uma coisa que a gente sempre soube que acontecia, mas fingia que não), os adolescentes já não estavam nem aí para o Facebook. Sem conquistar esses consumidores, a rede acabaria, claro, ou viraria um local só de pessoas da terceira idade checando ali as missas de sétimo dia.

Uma estimativa da Emarketer, empresa que mede audiências digitais, mostra que o Faceboook perdeu 2,8 milhões de usuários norte-americanos com menos de 25 anos, em 2017.

"O Facebook virou 'lugar da mãe, do tio, de gente chata, de gente que não entende nada de Internet'.  Facebook é 'uncool"', diz a jornalista e especialista em comportamento em redes sociais Rosana Hermann.

Tios do pavê

A morte do Facebook, que parecia que seria lenta, pode ganhar uma turbinada pesada e ser acelerada depois do escândalo da "Cambridge Analitcs". Trata-se do fato de que a rede está sendo investigada por vazar dados de 50 milhões de usuários nos Estados Unidos para manipular a eleição Americana. O mesmo teria sido feito na Grã-Bretanha, na votação do Brexit. Após as revelações, a empresa perdeu cerca de 50 bilhões em menos de uma semana.

Mark Zuckerberg admitiu "erros" e disse que vai tornar a rede mais segura, fiscalizando mais os aplicativos comunmente usados para roubar dados, como aqueles de "descubra a sua alma gêmea","saiba como você estará em 20 anos". Sim, sim, já fizemos esses testes. Sim, como tios do pavê, caímos num golpe.

Não, adultos, não podemos fingir mais que não sabemos todos os potenciais horríveis do uso do Facebook

Essa semana, devido ao vazamento de dados, milhares de pessoas aderiram à campanha #deleteFacebook (uma das dificuldades de lagar a "droga" é justamente pensar onde faremos nossas grandes campanhas online, que não mudam nada).

A gente sabe que faz mal

Sim, o Facebook faz mal. A partir de agora (e de outras denuncias que certamente vão surgir) continuar no Facebook vai ser tipo fumar cigarro ou tomar Coca-Cola. Você sabe que faz mal, mas continua. Dia após dia. Mas por quê? Ué, porque você gosta ou porque você é viciado. O potencial viciante do Facebook também já foi provado. E é grande.

"Não somos os 'culpados' por usar tanto as redes. Somos as vítimas. Porque os algoritmos são todos planejados para viciar o cidadão, para fazer com que nossos cérebros caiam em seus sistemas de recompensa emocional", diz Rosana Hermann.

Fonte de irritação, mas a gente continua

Resultado: muitos de nós (essa blogueira incluida) se acostumaram a clicar no icone azul do Facebook várias vezes, abrir, ver quantos likes temos e perder horas completamente inúteis navegando por um mar de informações que, no geral: 1-nos deixam tristes. 2-Nos deixam com raiva. 3-Nos deixam tristes e com raiva.

Ou seja, usamos o Facebook para nos irritar e nos deprimir. Mas, repito, você pode querer se irritar. E, mais do que isso, você pode não conseguir parar de clicar na bolinha e se irritar. Eu, viciada grau alto, fico. Por minha conta e risco, sabendo que minhas informações são roubadas, que podem tentar me manipular etc.

Mas eu fico, fazer o quê? Sou viciada. Assim como também fumo e tomo Coca-Cola. Não tenho nenhum orgulho disso nem recomendo aos mais jovens. O ministério do bom senso avisa. Mas quem disse que a gente consegue cumprir?

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.