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Nina Lemos

Os ataques racistas à miss Rio Grande do Sul e o ódio dando as caras

Nina Lemos

11/04/2018 04h00

"Não existe racismo no Brasil". Será que alguém ainda acredita nessa frase? Há quem diga que antes o racismo no país era "velado". Escrevo como pessoa branca que nunca sentiu o racismo na pele, mas passei a vida vendo amigas negras sendo alvos de racismo, então, não acho que é velado, não. Você nunca teve uma colega negra na escolar que sofreu bullying?

Fato é: estamos no Brasil de 2018. E o racismo (assim como outras formas de ódio) está escancarado.

Desde o fim de março, uma das finalistas do concurso de Miss Rio Grande do Sul, Samen Santos, modelo, tem sido alvo de racismo na Internet. Um dos ataques diz que ela "não representaria a mulher gaúcha". A tal beleza do Rio Grande do Sul seria, claro, loira. Até quando, gente? Um dos "comentaristas" chegou a dizer que ela não representaria a beleza da mulher brasileira, mas da africana.

Gente do céu! Vamos lembrar que 54 % da população do Brasil é negra!!!! Onde essa gente acha que vive? Na Suécia? Ah, e uma lembrança: na Suécia, os brasileiros, no geral, não são considerados brancos…

Samen foi firme: "Muitas pessoas confundem liberdade de expressão com ódio", disse a modelo de 26 anos. Ela afirmou que vai tomar todas as medidas necessárias contra os ataques criminosos. Certíssima.

Samen não é a primeira beleza gaúcha negra a quebrar tabus. A primeira miss Brasil negra foi Deise Nunes, em 1986.

Era para o racismo absurdo já ter sido resolvido, mas não.

Ano passado, a Miss Brasil Monalysa Alcântara, do Piauí, teve que lidar com comentários racistas, que diziam, entre outras coisas, que ela tinha "cara de empregada" (e é tanto preconceito embolado nesse caso que fica difícil comentar).

A coisa só piora. Ontem, recebi com enjôo a denúncia de que cartazes racistas estão sendo espalhados em São Paulo. Só lembrando. Isso é CRIME.

Black power

Curioso observar que isso acontece no Brasil bem na hora em que mais e mais meninas mostram que a beleza negra deve ser valorizada e, juntas, ajudam umas as outras mostrando que cabelo crespo não é cabelo ruim. E que fazer transição do cabelo (passar pelo processo de deixar de alisar para deixar os fios naturais) pode ser libertador.

Gabi Oliveira, do canal Das Pretas, Aline Custódio, Tati Sacramento (só para citar três, existem dezenas) dão aula de auto estima e cidadania para meninas e mulheres.

Estou morando fora do Brasil e não vinha aqui há um ano. Cheguei e uma das coisas que mais me chamaram atenção foram as meninas negras orgulhosas de quem são, exibindo seus cabelos afro. Elas estão em todos os cantos do Rio de Janeiro. Que coisa boa de se ver!

Tanto orgulho deve irritar ainda mais os doentes racistas, imagino.

Mas vocês acham que as meninas que se levantam contra a humilhação e dizem uma para as outras (e para si mesmas) que são lindas do jeito que são vão voltar atrás? Tenho certeza que não! Samen, Gabi, Monalyna e milhões de outras garotas não vão dar nenhum passo atrás. Viva!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.