Gleici: uma representante das meninas que são o futuro e a revolução
"Negros não voltarão para a senzala, LGBTS não vão voltar para o armário. Mulheres não vão voltar para a submissão. Nossos sonhos não vão ficar em um caixão. Nós somos a semente. Nós somos o futuro, nós somos a revolução."
Lembrei da bela fala do pastor Henique Vieira ao assistir à vitoria de Gleice no BBB18. A fala aconteceu no culto ecumênico em homenagem a Marielle Franco, há um mês, na Candelária, Rio de Janeiro.
Misturar pastor, revolução, Marielle e BBB é demais? Não necessariamente.
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Gleici faz parte da mesma geração de mulheres de Marielle. São garotas que nasceram pobres, em áreas periféricas, conseguiram chegar até a universidade e, como se isso não bastasse, ainda abraçaram o ativismo.
Essa é uma geração de meninas negras, índias, que andam de turbante e cabelo afro pelas ruas, não baixam a cabeça e trabalham duro pelo que querem. E assim, mudam, sim, o mundo (delas e de outras pessoas).
Ganhar o BBB pode parecer pouco, fútil até. Mas vamos lembrar, por exemplo, de Jean Wyllis. O hoje deputado e defensor dos direitos humanos apareceu ali, na tela da Globo. Transformou a fama, que poderia ser repentina, em uma carreira como ativista que, se não agrada a todos, ganhou respeito internacional.
Mas voltemos para Gleici. Ela tem 23 anos e estuda psicologia. Cresceu em uma casa humilde, sustentada e educada por uma mãe que trabalha como empregada doméstica (seu pai foi assassinado). Ao participar de um programa de TV e contar a historia da familia (ela sustentava três filhos com um salário mínimo e eles chegaram a passar fome), sua mãe, Vanuzia, disse: "Nós chegamos até aqui, a Gleice chegou até onde ela está hoje guerreando, lutando, nunca teve vergonha da história."
Hoje de manhã, aos prantos no pograma de Ana Maria Braga, Gleici disse algo parecido. "Nunca gosto que as pessoas sintam pena de mim. Quero que as pessoas gostem de mim por eu ser agradável."
Conseguiu, Gleici. Impossível saber exatamente por que ela ganhou o programa, mas a garota conquistou a simpatia do público por ser simpática, gente boa, engraçada. Mas que nunca fugiu da briga. "Não gosto que pensem que sou boazinha. "Não sou boba", ela repetiu várias vezes durante o programa.
E não é mesmo. Antes de entrar na casa do BBB, ela trabalhava no Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, no Acre, dando palestras. Não é pouco para uma menina de 23 anos.
Gleici está apenas no começo. Gleici vai longe (muito mais do que já foi). E o BBB não poderia ter como vencedora uma menina que representasse mais as garotas brasileiras de 2018. Uma mulher feminista, batalhadora, ativista contra o racismo e sobrevivente de uma vida muito dura é a cara da juventude do Brasil em 2018. E, sim, elas são a futuro e são a revolução.