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Nina Lemos

Por que "Cara Gente Branca" é o seriado mais atual

Nina Lemos

15/05/2018 04h00

Quando o seriado "Cara Gente Branca" foi lançado na Netflix no ano passado, algumas pessoas brancas atingiram o auge do ridículo: depois de ver o trailer (com ironias finas e, sim, toques para brancos que não se acham racistas, mas são) propuseram um boicote ao programa. E, assim, provaram que são… racistas. Ou portadoras de uma espécie de hiper sensibilidade à crítica. Eu sei que você não é uma dessas pessoas. Por isso, um conselho: a segunda temporada da série acaba de estrear na Netflix (vi, de uma sentada). E estou aqui para dizer: corra para ver. Se não viu a primeira temporada, aproveite e veja tudo. Há vários motivos para assistir. O mais importante deles é que a série é ótima.

E, se você, como eu, é branca: existem algumas coisas que a gente pode aprender ali, e não, elas não são chatas e ditas em tom professoral. O argumento é ótimo, o ritmo também, você fica vidrado querendo ver o que vai acontecer depois. E sim, muitos comportamentos de gente branca são ridicularizados. Mas todos nós, seres humanos, somos ridículos às vezes. Dá para rir da gente mesma? Dá.

Para quem caiu de paraquedas. A série mostra as aventuras e os conflitos de uma turma de negros, estudantes de uma universidade de ponta dos Estados Unidos.

Discussões familiares para nós, brasileiros, como "cota", "vitimismo", "liberdade de expressão x humor ofensivo" estão ali o tempo todo. Assim como uma realidade racista chocante.

Racismo da vida real

Uma reportagem exibida ontem no "Fantástico" mostrou casos absurdos de racismo em duas famosas universidades brasileiras. Na Fundação Getúlio Vargas, um aluno negro foi fotografado e sua foto, postada em um grupo de WhatsApp dos alunos, com a frase: "achei esse escravo aqui no fumódromo". Na Casper Líbero, uma professora foi denunciada por uma aluna por ter tentado tocar no cabelo dela, dizendo que "sempre quis tocar no cabelo de um negro." Chocante.

Situações parecidas com essas são retratadas em "Cara Gente Branca", e fazem o seriado ser um dos mais atuais.

Na primeira temporada, a personagem Sam, uma garota corajosa, comanda um programa chamado "Cara Gente Branca", em que manda a real sobre racismo, de uma maneira que ofende muito dos alunos brancos (e também espectadores "brancos hiper sensíveis" da Netflix). Isso é só o começo para conflitos e personagens super complexos e dramas amorosos, existenciais e de amizade. Ali está também o namorado branco de Sam, um cara legal, que tenta entender o negro drama, mas como não viveu a questão na pele, dá vários foras  -confesso que me identifiquei com esse personagem.

A segunda temporada aprofunda conflitos. Ali está a trolagem virtual – "Mas são Só ataques virtuais", diz o cara branco, mostrando que o tempo da narrativa mudou, mas ele não aprendeu muita coisa – e o fato de que esses ataques são mais comuns contra mulheres (e mais ainda contra mulheres negras). Também são apresentadas as descobertas sexuais de um menino gay, perdas e machismo (vindo de caras negros, porque uma das virtudes do seriado é não ser maniqueísta). A outra é ser muito engraçado (principalmente, para quem consegue rir de si mesmo). Em uma das cenas da segunda temporada, por exemplo, a menina diz uma palavra difícil para o ex em uma discussão, e explica o que significa. "Como escreve mesmo? É que eu vou checar na Wikipedia", ele diz. "Eu acabei de te explicar, não precisa checar na Wikipedia", ela responde, rindo, de tão chocada.

Branca ou negra, vai dizer que isso nunca aconteceu com você?

E caro homem branco, rir de si mesmo também pode ser bom. Eu garanto.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.