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Nina Lemos

Mulheres rompem silêncio e passam a denunciar "tarados". Finalmente

Nina Lemos

27/08/2018 11h15

Foto: Getty Images

Quando eu era adolescente, uma figura normal e assustadora na vida das meninas era o "tarado". As notícias de que tinha um "tarado" na vizinhança se espalhavam. Ainda é assim. Mas uma coisa curiosa (que diz muito como isso era naturalizado): a gente nunca pensava em ligar para a polícia e, ainda por cima, sentia vergonha de contar para os nossos pais.

"Um homem sempre ficava se masturbando na rua quando eu ia para o balé. Um dia ele foi me seguindo devagar com o carro, eu tinha uns 13 anos", conta minha amiga.

Todas nós colecionamos essas histórias. Passadas de mão na bunda, pegadas no peito, "tarados" se masturbando em carros e ônibus. Desde muito novas. Mesmo.

Lembrei de tudo isso, de novo, ao ler levantamento publicado pelo "O Globo" no domingo, que diz que a cada oito horas uma mulher é alvo de assédio, ato obsceno ou importunação ofensiva ao pudor no Rio de Janeiro. O mesmo Rio onde nasci, onde minha amiga foi perseguida por um "tarado", onde desconhecidos passaram a mão no meu peito e um motorista de táxi me disse que eu era "uma coroa gostosa com a bunda dura" (eu tava dentro do táxi, sem ter para onde fugir).

O número, apesar de ser alto e chocante, não me parece ser causado por uma epidemia de "tarados" (esse termo que se banalizou, mas que na verdade significa homens cometendo crimes)?

Esse tipo de cara nojento sempre existiu. Só que agora percebemos, finalmente, que além de nojentos, eles são criminosos. O número de denúncias à polícia cresceu 55% no Rio de Janeiro em relação ao ano passado.

Sim, o cara que está se masturbando no carro e te seguindo não está apenas sendo incoveniente, não. Ele está praticando ato ofensivo, te assediando, te importunando.

Quando alguém te falar que feminismo é bobagem, já acho que temos um ótimo argumento para provar que não é. Se começamos a ter coragem de denunciar e enxergar esse tipo de assédio como crime, já significa que avançamos muito.

Na França: fiu fiu pode gerar multa

Esse assunto não é discutido só no Brasil. Pelo contrário, é uma pauta importante em todo o mundo. Uma nova legislação aprovada na França em maio diz que homens que assobiam  ou falam "coisas" para mulheres na rua podem ter que pagar uma multa que varia entre cerca de R$ 450 e R$ 3.500. A lei ainda precisa ser aprovada no Senado, mas já tem apoio do presidente Emmanuel Macron, que declarou que as mulheres não podem "ter medo de sair na rua".

Na Alemanha, desde 2016, a lei conhecida como "Não significa não" recrudesceu a punição contra assédio e importunação.

A questão da cantada é complicada, sim. E sempre geral muita discussão. Existem cantadas e cantadas? Claro. Mas acho que dá para concordar que falar da bunda, fazer som de chupar (as mulheres sabem do que estou falando) é, sim, um assédio.

Por enquanto, se um homem te importunar, siga esse bom exemplo das cariocas. Denuncie. Já é um começo…

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.