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Nina Lemos

Sean Penn, o feminismo não quer separar homens de mulheres, é o contrário!

Nina Lemos

19/09/2018 04h00

Foto: Emma McIntyre/Getty Images

"O movimento #MeToo serve para dividir homens e mulheres". A frase foi dita pelo ator e diretor Sean Penn, um dos homens mais inteligentes e elegantes de Hollywood. Sean Penn disse isso em um programa de TV, segunda-feira, e mostrou que não é tão especial assim. Afinal, esse é o texto repetido por quase todas as mulheres e homens ao redor do mundo que "odeiam o feminismo".

"Isso é uma guerra entre homens e mulheres!". "Só querem colocar uns contra os outros". Muitos pensam assim, muitos, mesmo. Inclusive, repito, muitas mulheres.

Mas calma, gente. Não é nada disso. Pensem um pouquinho. O feminismo, como o praticado pelas moças do #MeToo, quer o fim de uma divisão que sempre existiu. Afinal, homem ganhar mais que mulher, ter carta branca para o assédio, cantar mulheres em ambientes de trabalho e ficar por isso mesmo, enquanto mulheres têm que aguentar quietas é uma divisão, certo? Uma divisão, basicamente, entre os privilegiados e as que se ferram.

Se atrizes querem, por exemplo, ter trabalho (assim como os homens têm) depois que envelhecem, elas não estão querendo criar uma guerra entre homens e mulheres! Nem tirar o trabalho dos homens. Elas só querem que essa divisão acabe!

O #MeToo, por exemplo, foi criado por atrizes do Hollywood para denunciar assédio e a diferença de tratamento que elas recebem no trabalho. As atrizes passam pelo que a maioria das mulheres já passou na vida: ganhar menos, ter menos trabalho quando envelhece e ser alvo de assédio sexual no trabalho.

Como jornalista, tenho duas amigas que já passaram por assédio pesado por parte dos chefes e tiveram que pedir demissão. Esse ano, foi criado o grupo "Jornalistas Contra o Assédio" para denunciar esse tipo de comportamento. Na sua área de trabalho também deve acontecer, aposto. E em algumas é ainda pior (lembra do mito da secretária que sempre é amante do patrão? Argh!).

Os homens não são todos iguais

Sean Penn, todo mundo sabe, já foi acusado de ser violento e abusivo com Madonna, quando os dois foram casados, nos anos 1980. Os dois fizeram as pazes, ficaram amigos e parecia que Sean Pen tinha mudado completamente. Esse pronunciamento nos faz duvidar um pouco…

Afinal, as atrizes do #MeToo e outras mulheres que clamam pelo fim do assédio não estão se posicionando contra TODOS OS HOMENS (como muitos insistem em repetir). Mas contra uma sociedade desigual. Simples.

E se você não é um sujeito folgado, que acha que por ser homem "pode tudo", que assediar "tudo bem", não estamos contra você. Muito pelo contrário. Vamos contar com a sua ajuda. E vocês continuarão nossos amigos, namorados, maridos.

Fazer o assédio "deixar de ser normal" e aceito não tem nada a ver com dividir homens de mulheres. Você acha certo um chefe assediar uma funcionária? Não, certo? Pronto, então não estamos contra você! Só esperamos que você não passe pano para colega com esse tipo de comportamento, mas isso é o básico, certo?

O argumento da "guerra" aparece muito também entre os críticos ao movimento negro. E, de novo, não faz sentido. Tenho amigas negras que lutam contra o racismo. Elas denunciam, a enormidade de privilégios que nós, mulheres brancas, temos nessa vida desde que nascemos. Eu, que sou uma mulher branca, acho que elas estão criando uma guerra contra mim? Elas estão "tentando criar uma divisão de brancos x negros? Claro que não! Pelo contrário. Na hora em que lutam contra o preconceito, querem acabar com uma divisão (horrível) que sempre existiu. É tão simples…

Mas não para algumas pessoas (repito, não são só homens que pensam como Sean Penn), que além de tudo, chamou o movimento de histérico e raivoso.

Querido, depois de anos de tratamento péssimo, de desigualdade, você esperava mesmo que as mulheres não tivessem com raiva? Se um produtor de Hollywood atacar sexualmente uma mulher, ela negar, e por isso tiver sua carreira seriamente prejudicada, ela não vai ficar com raiva? Não, ela tem que ser meiga. Aff.

Sou fã do Sean Penn e não estou nem decepcionada nem surpresa. Esse tipo de pensamento paira em todo lugar. Vou deixar de ser fã? Não. Mas quem sabe um dia ele perceba a bobagem que disse. Acontece. Com todos.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.