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Nina Lemos

O Brasil deveria lidar com a ditadura como a Alemanha trata o nazismo

Nina Lemos

28/09/2018 04h00

Foto: Getty Images

Recentemente, uma discussão causou polêmica e risadas na Alemanha. Isso porque muitos brasileiros resolveram explicar para alemães que o nazismo era de esquerda. Imagina brasileiro tentando explicar nazismo para Alemão, que absurdo? Mas aconteceu. E, claro, todo mundo na Alemanha sabe que a ideologia de Hitler era de extrema direita. E monstruosa.

O assunto "nazismo", como todo mundo pode imaginar, é levado muito a sério na Alemanha. Em um momento em que muitos negam que existiu tortura na ditadura militar brasileira e que pessoas morreram nos "porões da ditadura", a Alemanha é um exemplo interessante de como se lida com os momentos de vexame da história.

Negar o holocausto, por exemplo, é crime previsto em lei. Se você quiser lacrar e gravar um vídeo no Youtube  falando que os "judeus exageram", que o holocausto não foi lá essas coisas, você pode ser punido. No caso, até preso. O mesmo vale para saudações de (heil Hitler) e para símbolos associados ao nazismo, como a suástica. A lei existe não só na Alemanha, mas também em Israel e em países que tiveram participação no holocausto, como Hungria e Áustria.

Você não pode, por exemplo, usar a imagem do ditador como "homenagem". Se você for visto com uma camiseta do Hitler na rua, você vai ser preso. É inconcebível imaginar alguém andando calmamente na rua com a imagem de um dos responsáveis pelo nazismo estampada na camiseta ou uma suástica. Impossível.

Ano passado, um turista americano foi preso por fazer a tal saudação nazista de "brincadeirinha" em Dresden, no leste da Alemanha, e dois turistas chineses foram presos em Berlim depois de fazerem o mesmo gesto para tirar uma foto, em frente ao parlamento alemão. Foram levados pela polícia e liberados depois de pagar uma multa de cerca de 500 euros. Mas o crime prevê, em alguns casos, até três meses de prisão.

Isso não quer dizer que a lei sempre funciona. Mês passado, em manifestações de extrema direita, alguns neonazistas fizeram a saudação. Não foram presos. Mas as imagens, gravadas em vídeo, causaram escândalo em todo o país e os atos foram discutidos (e ainda são) no parlamento Alemão.

Lembrar para não repetir

Mais do que aplicar leis e punir, a Alemanha acredita na ideia de "lembrar para não se repetir". Isso significa que marcas da época do nazismo não são apagadas. Elas são expostas o tempo todo. O mesmo acontece nas escolas, onde as crianças estudam o nazismo com todo o seu horror desde pequenas.

Os campos de concentração não foram destruídos, estão lá, com todo o seu horror (até com as câmaras de gás), para que as pessoas lembrem do que aconteceu. E se sintam culpadas por isso e não repitam.

Não é preciso ir até um campo (eu mesma nunca tive coragem de ir) para sentir o horror do nazismo. Em toda a Alemanha (e em outros países da Europa), estão espalhadas pedras douradas em frente a casas de onde saíram pessoas que foram mortas pelo nazismo, com seus nomes e datas de morte. São as "stolpersteine" e já existem mais de 60 mil delas espalhadas por diversos países. O projeto começou na década de 1990 por iniciativa do artista plástico Gunter Demnig.

Em uma estação de metrô de Berlim, a Wittenbergplatz, em uma área de luxo, existe um placar escrito: Daqui saíram pessoas para os seguintes campos de concentração, como Auschwitz, Stutrhof (com mais nomes de campos e a inscrição "nós nunca podemos esquecer").  Há alguns metros dali, fica a igreja Kaiser-Willhelm, que tem uma das torres destruídas. A lembrança da destruição está ali pelo mesmo motivo, para que se lembre da guerra. Para que ela não se repita.

O mesmo acontece na Babelplatz, o lugar onde os nazis queimaram milhares de livros. Ali existe um monumento e a inscrição "Onde os livros são incendiados, eventualmente pessoas também são incendiadas".

É dolorido. Mas é para não esquecer. E, sim, usar camiseta com foto de torturador certamente seria proibido na Alemanha, que não, não é uma ditadura nem um país comunista, mas uma das democracias mais fortes do mundo.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.