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Nina Lemos

Brasil vive onda de ódio a feministas (e é alimentada até por mulheres)

Nina Lemos

19/10/2018 04h00

Getty Images

O Brasil vive uma onda de ódio? Já sabemos que sim. E ouvindo relatos e pesquisando fica claro: uma grande parte desse ódio é dirigido, assim como para LGBTs, para mulheres feministas. Para algumas pessoas, viramos um grupo que merece ser exterminado. Ou estuprado.

Entre as milhares de notícias comprovadamente falsas de WhatsApp que circulam pelo país, muitas mostram montagens de coisas que nunca aconteceram, como feministas defecando no altar de uma igreja. Somos tratadas como vândalas criminosas pela nova onda de direita do Brasil. Viramos um depositório de ódio.

Alguns exemplos (duros, mas reais), abaixo:

"Para a CUT, pão com mortadela, para as feministas ração na tigela. As minas de direita são as mais belas. As de esquerda tem mais pelo que cadela". Esse horror faz parte de uma "musiquinha" que foi cantada por um grupo em Recife durante uma "marcha da família em apoio a Bolsonaro".

Nas redes, as mensagens de ódio a feministas estão em todo canto. Em uma busca no Twitter, vi que somos descritas como: "feministas que enfiam o crucifixo no cu" ou "feministas de sovaco peludo que só pregam o ódio".

Muitas dessas mensagens são escritas por mulheres, que criaram um tipo de concurso de beleza imaginário entre elas e as tais feministas. "Nós nos cuidamos, elas não". "Nós somos cheirosas, elas são sujas". Escuta, feminismo não é sobre ser bonita ou limpa. É apenas sobre liberdade (o direito de usar a roupa que queremos, por exemplo), e de ter um tratamento digno pela sociedade (a gente quer coisas simples, tipo ganhar o mesmo que os homens, não ser assediada no trabalho etc).

Feministas não são "um tipo de gente."  Tem feminista supervaidosa, que faz plástica, adora um dermatologista. Tem feminista menos vaidosa. Existe, sim, feminista que não depila as axilas. O que defendemos? Ora, que cada uma possa ser como quiser sem patrulha. Feministas não assinam um formulário onde prometem não se depilar! Não existe regra, gente. Afinal, somos seres humanos dos mais variados tipos.

Digo mais: muitas mulheres que nem usam a palavra são, também, feministas. Exemplo: a mãe que cuidou sozinha de três filhos, teve coragem de se separar, enfrentar vários preconceitos etc. Então, falar que feminista é "tudo peluda e suja" é apenas ridículo. Sim, feminista toma banho, trabalha, paga boletos e pega os filhos na escola.

Ataques físicos

A violência não fica só nas redes. Desde 8 de outubro, o site independente "Mapa da Violência Política no Brasil" reúne histórias de pessoas que foram atacadas por questões políticas. A maioria dos depoimentos são de homens gays, mulheres lésbicas e mulheres heterossexuais.

Alguns exemplos de depoimentos de mulheres publicados no site:

"Estava esperando o ônibus na Boa Vista com a camisa do 'ele não' e um homem me empurrou e disse: 'Não te empurro na frente do ônibus porque ainda não posso, feminista nojenta'. Riu e foi embora".
Camila, 23anos, Recife

"Um homem me empurrou no chão e disse que no governo Bolsonaro não vai ter espaço para vagabunda".
Mulher anônima, 27 anos, São Paulo

"Eu estava na calçada da Rua Dona Mariana, em Botafogo. Uma senhora olhou para mim e disse: você merece ser estrupada para aprender em quem votar. Eu estava de blusa branca, trazendo um único e discrete adesivo 'ele não"'.
Mulher anônima, 50 anos, Rio de Janeiro.

Outras histórias foram contadas para o blog. A jornalista J.A. foi empurrada em uma banca de jornal em São Paulo. "Um cara pegou no meu braço e apontou para a minha tatuagem [foice e martelo] e disse que eu ia ter que apagar". Na mesma cidade, o designer L. conta que uma amiga foi agredida por tentar impeder que um cara batesse em outra menina que usava um adesivo 'ele não'".

São casos deploráveis.

Será que é preciso explicar que nós, feministas, somos pessoas de bem? Que não comemos criancinha, inclusive porque grande parte de nós é mãe?

Qualquer tipo de agressão é lamentável. E é crime. Se acontecer com você, denuncie, procure ajuda de amigas ou grupos e lembrem: juntas somos, sim, mais fortes.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.