Estilista protesta em Berlim contra Bolsonaro: "Como ignorar intolerância?"
"Voce foi perfeita na sua manifestação. Aquela frase: 'você é muito feia para ser estuprada'. Que absurdo! Mas você mostrou de uma maneira maravilhosa o que acontece no Brasil. Foi forte, corajoso. Perfeito". Quem fala isso é o cantor e ator Henry De Winter, uma personalidade no mundo da moda de Berlim, depois do desfile da estilista brasileira Aline Celi, ao cumprimentá-la. O cantor, e a maioria da plateia, estava impressionado com o protesto de Aline, que, ao desfilar sua coleção segunda e terça-feira, na Berlim Fashion Week, protestou contra o governo Bolsonaro.
Aline colocou na passarela três modelos carregando frases de Jair Bolsonaro como forma de protesto ao governo, em inglês. "O problema da ditadura foi torturar e não matar", diz um. Em outro, a já célebre frase da Ministra Damares Alves: "Meninas usam rosa, meninos usam azul" — a modelo que carregava o cartaz vestia um delicado macacão azul, claro. Outra modelo segura um cartaz com a frase: "Você é muito feia para ser estuprada", dita também pelo presidente Bolsonaro, para a deputada Maria do Rosário.
No fim do show, as três modelos se postam em frente aos fotógrafos com os cartazes, enquanto Aline recebe os aplausos.
"Não é porque trabalho com moda que vivo dentro de uma bolha de glamour", diz Aline, em conversa após o desfile com este blog. "Acho que a moda pode ser política. É muito importante para mim mostrar que moda não é apenas algo fútil", diz ela, que é natural do Rio Grande do Norte, mas mudou para a Alemanha há dez anos para fazer faculdade de moda.
Seu protesto causou burburinho. Exatamente o que ela esperava. "Se tenho esse espaço, se tenho visibilidade, sinto que tenho que usar para protestar, sim", ela conta. Funcionou. "Fiquei muito tocada com esse protesto que ela fez. Não sabia que o Brasil estava nessa situação. Agora vou me informar mais. Sério que o presidente de vocês disse que o problema da ditadura foi torturar e não matar?", comentou a especialista em marketing digital Kim Fisher, que assistiu o desfile de Aline. "Ela está certa em mostrar isso para o mundo. Adorei. A moda não pode deixar essas coisas de lado", disse a cliente alemã.
"Escolhi essas frases porque são coisas com as quais não concordo. Eu tenho muito amigo gay. Para mim, a orientação sexual de uma pessoa não quer dizer nada! Tenho vários gays na minha equipe, moro em Berlim, uma cidade aberta. O que interessa é as pessoas serem bons seres humanos. Tenho amigos que estão com medo de ir para a balada no Brasil porque podem apanhar. Não posso ignorar isso. Não é porque não moro no Brasil que não me preocupo. Meus amigos estão lá, minha família. Vou ao Brasil de dois em dois meses", ela conta.
Segundo ela, o fato de morar fora do Brasil faz, inclusive, com que ela tenha uma outra perspectiva. "Moro em uma cidade que é muito tolerante. Aqui as pessoas se vestem como querem, ninguém liga se alguém é rico ou pobre. Tem um clube de sexo aqui perto do showroom onde só pode entrar pelado e isso é aceito de boa. Quando a gente vê isso, fica mais tolerante. Quero que o Brasil seja mais tolerante também", ela diz.
Carreira meteórica
Aline estudou em uma das mais prestigiadas universidades da Alemanha, em Kassel, e teve uma carreira meteórica. Desde 2013, apresenta suas coleções na Berlim Fashion Week.
"Fui convidada antes mesmo de acabar a faculdade", ela conta. Hoje, Aline tem um showroom na sofisticada Galerie Lafayette, em Berlim, ao lado de grifes como Karl Lagerfeld, e vende para mais de cinco países.
Suas roupas são femininas e sofisticadas. O toque brasileiro é sutil. "Faço uma roupa minimalista, mas com alguns detalhes pequenos, como bordados, que vem, sim, da minha raiz brasileira Acho que é por isso que eles gostam", conta. Bordados de uma costureira de Natal, por exemplo, aparecem em sofisticadas saias de seda. Entre suas joias, estão peças feitas no Vale do Jequitinhonha usando capim. Mas tudo é urbano, contemporâneo. "Não gosto muito de roupas coloridas. Faço peças que vão durar", diz.
Moda sustentável
Sua preocupação política está presente em uma das suas maiores paixões: a sustentabilidade. Depois de fazer uma viagem para Bangladesh, Aline teve uma espécie de choque de realidade. "Tive um choque. Tinha pilhas de sujeira, comidas e as pessoas trabalhando naquelas condições, ao lado disso. Depois de ver aquilo, decidi que precisava fazer algo de um jeito diferente". Por esse motivo, Aline tenta ter controle de todo seu processo de produção.
"Seria mais barato comprar da China ou de Bangladesh, mas preciso fazer na Polônia, que é aqui perto, posso ir lá checar as condições de trabalho", explica. Ela evita fabricar no Brasil. "Sairia barato, mas perderia o controle. A pessoa te diz, por exemplo, te entrego dez calças, mas, quando você vai ver, parte da produção é terceirizada e feita por trabalhadores em péssimas condições, e eu não acompanharia".
Segundo ela, as clientes de sua marca entenderam que é preciso pagar um pouco mais para ter um produto com essa consciência social. Uma saia bordada é encontrada nas lojas por cerca de mil euros (por volta de quatro mil reais).
Aline, por todo esse seu comprometimento, é descrita na imprensa alemã de moda como um "statement" e como um exemplo de pessoa que domina os negócios. Não sem motivo… Sim, ela abriu a marca sozinha com um amigo brasileiro. E deu certo.