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Nina Lemos

Caso Projac: até quando mulheres vão alimentar fofocas contra mulheres?

Nina Lemos

28/02/2019 04h00

Foto: Reprodução Instagram

Há muitos anos, comecei a trabalhar em um grande jornal e conheci uma colega. Logo, as outras mulheres vieram me avisar: "cuidado, ela consegue tudo o que quer porque teve um caso com o chefe." Essa era uma fofoca tão bem plantada (não existia o termo fake news na época) que todo mundo acreditava.

A moça, bonita, gente boa e talentosa, teria conseguido uma transferência de editoria porque seria "amante" do chefe. No início, eu acreditei, claro. Afinal, essa era uma nota tão bem espalhada como a mamadeira de piroca e a loira do banheiro. Ninguém nem ousava desconfiar.

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Fui salva por um amigo homem. Perguntei para ele se a tal fofoca fazia sentido e ele me disse: "de jeito nenhum! Esquece." Desde então (e lá se vão uns 20 anos), a moça alvo da fofoca é uma das minhas grandes amigas, uma irmã mesmo. Imagina se eu tivesse caído no papo de que ela "tinha caso com o chefe para subir no trabalho?" Eu teria perdido a chance de ter uma amiga para o resto da vida.

Lembrei disso lendo sobre o bafafá que se formou no Projac depois da separação de Débora Nascimento e José Loreto. Como quase todo mundo sabe, a atriz Marina Ruy Barbosa vem sendo apontada como pivô da separação. Algumas atrizes , como Bruna Marquezine e Giovanna Ewbank, antes suas amigas, pararam de seguir a atriz no Instagram.

Sim, é ridículo, mas  quando amigas mulheres famosas deixam de seguir uma a outra, nos tempos atuais, isso é uma declaração pública de "ficar de mal". Marina diz que não, não tem nada a ver com a história. Sua sogra saiu em sua defesa, seu marido, amigos e fãs também.

Não me interessa, de fato, quem teve caso com quem no Projac. Agora, que a rede de fofocas que atinge mulheres pode ser poderosa, não tenho dúvidas. E cria traumas. Tenho várias amigas que ficaram para sempre magoadas ao caírem em redes de "fake news" de firmas ou escolas.

Logo depois de eu ficar amiga da tal jornalista que todos achavam que tinha caso com o chefe, aconteceu o mesmo (eu juro) com outra.

Chega uma colega transferida. Logo ficamos amigas. E ela vem me contar, como que para me preparar para o fato, que muita gente achava que ela tinha um caso com um chefe (um outro). Essa colega era linda, mesmo. E talentosa, logo… "aí tem", gritou o coro machista formado por homens, mulheres e a torcida do Flamengo.

Uma vez, o alvo fui eu. Minha melhor amiga, em outro jornal, era uma ex modelo que já tinha sido capa de várias revistas. Fomos dividir apartamento. Em que as pessoas começaram a acreditar? Que tínhamos um caso, claro! Afinal, eu era uma das únicas amigas dela. As outras mulheres se sentiam ameaçadas e saíam falando de seus casos. Bizarro.

Até quando, queridas?

Eu achava que esse tipo de coisa (uma fofoca ser criada, as pessoas acreditarem e uma mulher sofrer um tipo de bullying eterno por isso) já tinha acabado. Mas o caso Marina Ruy Barbosa me fez achar que não. Como já disse outra colega blogueira, falamos tanto em sororidade…. E… na hora H, voltamos a agir como clube da de menininha de comédia de sessão da tarde sobre brigas em escolas. Gente! Vamos parar!

E tem outra, e se minhas amigas tivessem tido caso com os chefes? Qual o problema? A gente não acredita na sexualidade livre? A gente não fica com quem quiser? E, como também já foi dito por outras colega colunista, a culpa sempre é da mulheres?

Parece que sim. Na chuva, na fazenda, no Projac e nas grandes redações de jornais, as fofocas, sejam verdadeiras ou não, em geral são sobre mulheres. Eu juro, em todos os meus anos de carreira nunca ouvi que um homem tinha tido um caso com uma chefe para subir. Nunca. E não foi porque nos meus locais de trabalho faltassem mulheres chefes

Conclusão que tiro disso tudo, seja das minhas amigas sendo "acusadas de ter caso com chefes", seja da Marina Ruy Barbosa acusada de "destruir um casamento": nós, mulheres, precisamos parar de alimentar fofocas contra outras mulheres, oras! O que ganhamos com isso? Nada, quem ganha é a sociedade machista mesmo, que aproveita a deixa para repetir os clichês de que adoramos competir, de que não conseguimos ser amigas de mulheres e de que muitas de nós não prestam. Se isso não te convence, tento de novo. O proximo alvo das fake news femininas pode ser… você.

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.