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Nina Lemos

E quando camisetas feministas são vendidas por lojas que exploram mulheres?

Nina Lemos

18/03/2019 04h00

A Primark, para quem não sabe, é uma cadeia de lojas irlandesa que existe em várias cidades da Europa e é famosa por algumas razões. A principal delas é por vender roupa barata.

A segunda é o motivo de tudo ser barato: o fato dos produtos serem feitos em países com mão de obra barata, como Bangladesh, Turquia e China, por trabalhadores que podem estar em condições análogas a escravidão.

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Já existiram casos de pessoas acharem pedidos de socorro de trabalhadores dentro de bolsas da Primark. Em 2016, uma mulher achou um pedido desses no bolso de uma calça comprada na Inglaterra, escrita em chinês.

Com a mão de obra barata, feita muitas vezes por crianças ou mulheres em condições péssimas, claro que os preços ficam baixos. É possível comprar uma camiseta por R$ 6.

O documentário "The True Cost", na Netflix, mostra isso. E conta detalhes sobre a tragédia de Rana, em 2013, em Bangladesh, quando um prédio que abrigava diversas confecções que produziam peças para grandes marcas desabou. Mais de mil trabalhadores morreram, a maioria mulheres.

Nos últimos anos, a Primark, com outras marcas de fast fashion, como a H&M, foram alvo de tantos escândalos que começaram a ter que mudar. Eles têm feito esforços para melhorar as condições dos trabalhadores que fazem a roupa, segundo a organização  "Know The Chain", que monitora as condições de trabalho em empresas ao redor do mundo. Têm feito também esforços para melhorar a condição de vida dos seus trabalhadores espalhados pelo mundo. Mas é difícil que o esforço seja o suficiente.

Bem, eu tenho pavor desse império do mal, como vocês já perceberam.

Mas uma vez por ano, por culpa da minha mãe (desculpa, mãe, mas eu preciso colocar a culpa em alguém) eu entro nessa loja, em Berlim. Vou comprar presentes para levar para o Brasil. Não há argumentos que façam minha mãe não amar a Primark, chamado também por ela de "aquele lugar maravilhoso."

Bem, tudo pode piorar. Eu estava na Primark e vi a seguinte camiseta para vender, na parte das crianças com o dizer: "Lideres do futuro". Abaixo, a imagem de uma mulher indiana vestida de pilota, uma negra bailarina, uma chinesa cientista. Uma jogadora de futebol usando véu mulçumano e uma juíza. Sim, além de falar para as meninas que elas podiam ser o que elas quisessem, a camiseta ainda tinha representantes de mulheres diferentes, mostrando que todas deviam ter chance e mostrava diversidade. Superlegal, certo?

Só que a camiseta provavelmente foi feita nessas condições que eu descrevi acima, e na Turquia.

Os escravocratas vestem Prada

Bem, uma mulher na Turquia não pode ser exatamente o que ela quiser. No país, algumas mulheres, por motivos culturais, podem ser obrigadas a casar com quem não querem e milhares de ativistas feministas estão presas. Está longe de ser um lugar preocupado em formar "líderes mulheres", assim como a maioria dos outros países que fabricam as tais roupas da Primark.

O problema não é só com essa loja. Ano passado, marcas caríssimas, de luxo, receberam pontuações péssimas da mesma entidade que vê melhoras nas lojas de Fast Fashion. A Prada, aquela que o diabo veste, recebeu uma péssima pontuação, assim como a Fendi e a Dior luxo. A Prada obteve apenas 5 pontos. A pontuação máxima, no que diz respeito a cuidado com quem faz as roupas é de 100. Sim, é um escândalo.

A Dior, só para lembrar, é aquela que fez sucesso com uma camiseta escrito "We should all be feminists" (nós deveríamos todas ser feministas) que foi vendida por cerca de R$ 2 mil.

O que fazer? Comprar camisetas em feirinhas, feitas por amigas artistas e ainda assim fazer girar a roda do dinheiro entre mulheres? Parece uma boa. Pintar suas próprias camisetas, também.

Mas, como é impossível ser 100% coerente nesse mundo, eu confesso, comprei a camiseta empoderadora feita provavelmente por mulheres em pássimas condições de trabalho para duas meninas queridas. Eu sou uma pessoa horrível. Mas quem não é?

Não faça o que eu faço. Olhe quem faz as suas roupas. E nunca esqueça que muitas marcas, sejam as baratas ou as sofisticadas, usam feminismo só para vender. E a gente cai. Eu caí. Mas não cairei de novo, pelo menos, tentarei. Prometo.

Errata: Diferentemente do que foi publicado, a Primark é irlandesa.

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.