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Nina Lemos

Morte de Caroline Bittencourt: as redes sociais aumentaram nossa morbidez?

Nina Lemos

01/05/2019 04h00

Quando soube da terrível noticia da morte da modelo Caroline Bittencourt, fiz uma coisa da qual não me orgulho: fui checar o seu "stories" no Instagram imediatamente. Sim, eu confesso. Ali estava a imagem melancólica do mar visto de um barco. Muitos de nós olhamos atônitos aquela imagem e pensamos: "meu deus, ela estava mesmo em um barco, isso foi antes dela cair, mas que loucura."

A nossa dependência de rede social é tão grande que talvez esperássemos que ela postasse outra foto, sorridente, falando que tudo não tinha passado de um susto.

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Não seguia Caroline, mas por curiosidade mórbida, também li os comentários de seus amigos sedentos por notícias, ou lamentando o fato. Fui mais longe e olhei o Instagram de sua filha, que sofria essa dor inimaginável. Sim, eu agi como paparazi mórbida da vida de uma familia.

E por que confesso isso? Porque acho que não fui a única. Depois de morrer, Caroline Bittencourt ganhou 200 mil seguidores. Fomos todos bisbilhotar a dor da família e dos amigos.  Não precisamos de televisão. Dos nossos próprios telefones, transformamos a morte da modelo em espetáculo. Quantas vezes fazemos isso? Agora, quando narramos nossa vida em detalhes em tantas plataformas, fica cada vez mais difícil resistir ao nosso impulso mórbido.

Já estive do outro lado do teatro. Já tive amigos que morreram em tempos de redes sociais. Eles não eram famosos como Caroline, mas suas mortes repercutiram na internet. O que aconteceu? Ganhei seguidores. Sim. Eu juro. Eu virei "a moça que tinha perdido o melhor amigo", ou "uma das amigas da cantora"…

Se eu me senti espionada e invadida? Sim. Mas eu também entendi que as pessoas não agiam por maldade. Elas estavam sendo humanas, assim como eu, quando olhei o Stories da Caroline, uma pessoa que eu nunca conheci. Claro, deixei as redes de lado, nos dois casos, e fui viver meu luto e chorar na cama que é melhor.

Corpo na passarela

Dois dias antes, outra imagem chocante nos perturbou e correu o mundo: o corpo do modelo Tales, estendido no meio da passarela do São Paulo Fashion Week. O espetáculo e a morte raramente estiveram, literalmente, tão lado a lado. A foto correu o mundo. Tivemos que nos segurar para não olhar de todos os ângulos, detalhes, como se fôssemos abutres da tragédia (e não somos todos, pelo menos um pouco?)

Outro dia, uma amiga de Facebook contou que ao chegar de ambulância em um hospital para fazer um exame, logo curiosos cercaram sua maca. E não esconderam o desapontamento ao ver que não tinha sangue ali, e que minha amiga estava aparentemente bem.

Ou seja, as redes sociais não inventaram o nosso desejo por sangue e muito menos a nossa morbidez, elas apenas potencializaram.

As redes criaram também um tipo bizarro, e esse, sinceramente, me assusta: o  sommelier de morte, aquele que fica tentando saber "o real motivo escondido por trás da tragédia."

Um dia depois do corpo de Caroline ser encontrado, algumas pessoas discutiam na internet se ela teria morrido porque pulou para salvar os seus cachorros ou não. E tinha gente que julgava a atitude da modelo (que não é da nossa conta, que não vai mudar em nada o curso da tragédia, e que, pelo amor de Deus, merece se respeitada!).

No caso de Tales, aconteceu a mesma coisa, centenas de especulações de "especialistas em saúde de modelo" apareceram imediatamente. "Morreu de quê?" "Como assim morreu?" A resposta é aquela óbvia: porque as pessoas morrem e porque tragédias acontecem. Simples e duro assim. E não vai ter discussão em rede social que vá mudar esses fatores….

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.